Tony Rocha (Foto: Divulgação)
Cinco homens estavam na barbearia: o barbeiro e quatro clientes.
“O problema é a polarização política vigente no País”, disse um dos homens, “as pessoas são tão limitadas que conseguem enxergar apenas duas letras no alfabeto.”
Disse isso e se calou. Sentou-se na cadeira giratória. O barbeiro regulou a cadeira à altura do cliente, de modo que este pudesse se ver no espelho e começou o trabalho.
Enquanto o barbeiro trabalhava no corte do cabelo, dois dos três outros homens deram seqüência à conversa.
“Uma coisa é certa, pode parecer clichê, mas é uma verdade inconteste, fuja de qualquer governo que não encara a educação como prioridade.”
“Concordo, mas o governo encara a educação com seriedade.”
“Ah, é? Não me faça rir, o governo está cortando verba da educação.”
“Alto lá, não é corte, é contingenciamento.”
“Ah, sim, claro, não é corte, é contingenciamento, da mesma maneira que um sujeito que não tem cabelo é calvo e não careca.”
“Pois eu aposto que você nem sabe o que é contingência, eu explico, contingência é o acontecimento que, por sua imprevisibilidade, escapa a ações de controle.”
“Você é tão limitado que só conhece a definição que lhe interessa, fique sabendo que contingência é um substantivo feminino que pode ser definido como: caráter daquilo que acontece sem necessidade, e que poderia ter acontecido de outra maneira.”
“No caso em questão não poderia ter acontecido de outra maneira, já que governos anteriores e suas políticas equivocadas jogaram o País na situação calamitosa em que ele se encontra.”
“Claro! A culpa é sempre do anterior, maneira cômoda de encarar a realidade incômoda e tirar do ombro o peso de culpabilidade.”
“Mas o atual governo não pode mesmo arcar com a responsabilidade pelos desmandos praticados por seus antecessores.”
“No futuro, todos vão dizer que o governo atual foi um tremendo fiasco.”
“Não tente mudar o teor da conversa com suas previsões, você não é profeta.”
“Não precisa ser profeta pra saber que esse governo é medíocre e truculento.”
“Suas afirmações são prematuras, o governo acaba de assumir o comando.”
“Minhas afirmações não são prematuras, são realistas.”
“O problema é que você tem uma visão tendenciosa, não consegue ver as coisas com imparcialidade, o governo está fazendo um esforço hercúleo pra resolver os problemas do País, o governo é um Dom Quixote.”
“Está mais para Dom chicote.”
O barbeiro terminou o corte do cabelo. O cliente desceu da cadeira, pagou pelo serviço e, antes de sair, virou-se para os dois que conversavam e disse:
“A noite, no bar.”
O homem que defendia o governo sentou-se na cadeira. Quando o barbeiro terminou o corte em seu cabelo, pagou pelo trabalho e, antes de sair, virou-se para o crítico do governo e disse:
“À noite, no bar, mas volto a dizer, não foi corte, foi contingenciamento.”
O processo se repetiu com o terceiro cliente. Finalmente, o outro homem, o que até então permanecera calado, sentou-se na cadeira e, com uma mescla de indecisão e vaidade, disse ao barbeiro:
“Quero um contingenciamento bem moderno, por favor.”
Antonio Rocha Bonfim é romancista, contista, poeta, compositor, letrista, intérprete e colunista deste jornal