Num Estado Democrático de Direito a liberdade deve estar garantida como anteparo do cidadão e, em hipótese alguma, pode sofrer violações indevidas, frutos de decisões genéricas, violadoras do princípio da motivação das decisões judiciais, sob pena de instalar-se um regime de exceção. Em especial, a prisão preventiva deve ser avaliada com extrema cautela e aplicada, de fato, como a extrema e ultima ratio.
Malgrado a criação das cautelares diversas, com a entrada em vigor da Lei 12.403/2011, e a criação (ainda que demorada) da audiência de custódia (Resolução 213/2015–CNJ), a decretação da prisão preventiva continua seguindo padrões alarmantes e desproporcionais, ignorando-se tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, além do próprio entendimento dos Tribunais Superiores. Não por outra razão, referidos tribunais encontram-se constantemente abarrotados com ações impugnativas de habeas corpus que, no mais das vezes, concedem no todo (para revogar a cautelar) ou em parte (para substituir a cautelar por outra(s) menos gravosa) o writ.
Importante ressaltar que a preventiva, com muita frequência, vem sendo substituída pelas cautelares diversas, o que é comemorado por muitos. Contudo, se faz necessária uma reflexão técnica sobre o tema. Sendo a medida cautelar gênero das quais são espécies a preventiva e as cautelares diversas, é certo que todas demandam o binômio necessidade/adequação.
Em outras palavras, a base comum para a decretação da prisão preventiva ou das cautelares diversas é a necessidade. E justamente nesse ponto que ousamos dizer que há manifesto equívoco, que decorrem em especial das recorrentes decisões judiciais que revogam a prisão preventiva, sob o fundamento da inexistência da garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal, ou seja, afastando a necessidade da medida cautelar, mas aplicando as cautelares diversas.
Ora, se o Poder Judiciário afasta o requisito “necessidade” (art. 312, CPP) para a revogação da prisão preventiva, naturalmente afasta a própria cautelaridade ou, ao menos, os requisitos previstos em lei para a sua aplicação, presentes no artigo 282 do CPP. De fato, ausente a “necessidade” de preventiva (e aqui vale lembrar que não estamos tratando da proporcionalidade/adequação), inevitavelmente nenhuma outra cautelar diversa (art. 319, CPP) poderá ser aplicada.
Entendemos assim que as cautelares diversas da prisão só devem ser aplicadas, ainda que em substituição à prisão preventiva, caso esteja presente o periculum libertatis. Nesse contexto, torna-se inconcebível a revogação da prisão preventiva - ao argumento de que não estão presentes os requisitos do artigo 312 do CPP -, e a decretação de cautelares diversas, sobretudo porque, no ponto, também estariam afastados os requisitos do artigo 282, I do CPP, que possui a mesma base legal.
Para além do aspecto excepcional, há que se considerar ainda que as medidas cautelares devem ser revistas frequentemente, cabendo ao Judiciário reapreciar sua necessidade e proporcionalidade, avaliando sua revogação ou relativização.
Nesse sentido, o protocolo I da Resolução 213/2015 – CNJ confirma igualmente a natureza temporária das cautelares diversas, bem como reconhece que a monitoração eletrônica é a medida mais grave, não podendo ultrapassar o período de 6 (seis) meses.
O quadro reflete, infelizmente, a usual aplicação de medidas cautelares pessoais, de toda a ordem, sem a preocupação de revisitação quanto a manutenção de sua necessidade e/ou (re)adequação, matéria que devemos refletir e discutir com mais profundidade no Brasil, para que assim tenhamos o cumprimento integral de todas as normas internas, além daquelas previstas em tratados e convenções internacionais.