Andava com aquele passo rápido, chutando as pequenas poças de água suja que se acumulavam nos buracos da calçada. Me atrapalhei entre passo e poça e chutei uma pomba morta. Uma pobre pomba morta. Me doeu na alma aquela pomba morta num dia de chuva em São Paulo, sem um enterro decente, sem um choro contido, sabe-se lá o que foi que a fulminou. Eu já tinha visto cachorros menores que aquela pomba morrerem e levarem velhinhas tristes e hipertensas ao hospital. Mas aquela pomba, ali, a comover ninguém, me doeu o coração de um jeito que nada havia de melhorar.
Chuviscava, eu não tinha guarda-chuva, andava rápido para fugir da garoa e aquela pomba morta, uma pomba morta. A morte era isso, um denominador comum a lulus da pomerânia, seres humanos e uma pobre pomba numa poça de água suja, a desviar transeuntes.
Andei mais alguns quarteirões; não pude continuar. Parei num butiquim e pedi um pingado. A lembrança da pomba me invadia como se essa mesma fosse minha parenta. Seria engraçado: seres humanos parentes de pombas. A Biologia Evolutiva diria que sim, somo-los. Comecei a chorar sobre o pingado e o vidro de açúcar.
– Mas o que é que foi, ô, menina? Me perguntou o dono do butiquim, gordo, um pano de prato sujo apoiado no ombro, ele todo apoiado na pia.
– É que..., eu não conseguia falar, apenas chorava. – É que me morreu uma parenta.
E foi assim. De como uma pomba morta tornou-se minha parenta.
O dono do butiquim agarrou-me a mão e deu-me uns tapinhas:_ô, filhinha...
E chorava pela pomba, pelos meus pés molhados, por ter esquecido o guarda-chuva. Chorava por aquele emprego patético, que me pagava apenas os trocados para um pingado naquele boteco horroroso. Chorava pelo ônibus lotado de janelas fechados, aquela fedentina de hálitos de fome, hálitos da falta de higiene. Chorava porque teria que contar as moedas para entrar naquele ônibus do inferno, aguentar-me nele por uma hora e meia, os pés molhados, sem lugar para sentar, até ser cuspida para fora.
Chorava porque aquela pomba um dia havia experimentado o céu, o sol, o vento, as pipocas, e eu não.