Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Nunca ter conhecido o pai biológico não era problema para Fininho; aprendera bem cedo que não seria possível saber qual era a identidade do pai, já que, nem sua mãe sabia. Como diz a sabedoria popular: o que não tem remédio, remediado está. Mas pais postiços foram vários, uma multidão que a mãe recrutava nas praias, baladas, botecos etc. Sujeitos dos mais variados biótipos - gosto eclético, o da mãe de Fininho! Pois bem, todos os namorados da mãe o tratavam com um dissimulado carinho durante alguns dias, semanas, no máximo. E aconteceu a Fininho aquele roteiro que amiúde acontece.
O motivo nunca ficou claro, aliás, nunca é claro, fato é que, logo depois do sexto aniversário de Fininho, a mãe o levou até outro barraco da comunidade, entregou-o a uma senhora que andava com dificuldade e disse:
“Você vai ficar um tempo com sua avó, a mamãe volta pra lhe pegar, filho.”
E a mãe de Fininho se foi. E não mais voltou.
O nome? Claro, o nome de batismo é Érico. O apelido Fininho diz respeito à compleição física, além de ser uma jocosa alusão aos cigarrinhos que – na vã tentativa de driblar o desespero – Érico começou a enrolar ali por volta dos onze anos de idade.
É preciso, agora, dar um salto no tempo. A história a ser narrada acontece quando Fininho tem vinte e um anos de idade e desencanto.
Morador de rua, Fininho acha a vida um lixo. Mas, a percepção varia de pessoa pra pessoa, é claro. Gente da elite – que tem residência em luxuosos condomínios fechados e protegidos, conforto e farta comida na mesa – costuma dizer que a vida é boa, um luxo.
O (a) senhor (a) pode estar pensando que o passado deve ficar no passado. Não discordo, mas, as agruras de Fininho até aqui narradas, de certo modo justifica seu desencanto pela vida. É bem verdade que o menino teve sorte ao ser acolhido e amado pela avó; porém, a convivência entre ambos não foi muito duradoura.
Os melhores dias de Fininho foram vividos com a avó. Uma semana depois que fora entregue pela mãe, abraçada ao neto, a avó apontou para o alto em uma noite de lus minguante e disse:
“Faça um pedido.”
E Fininho obedeceu. E a história se repetiu inúmeras vezes em outras noites.
“Por que pede que eu faça um pedido?”, perguntou certa noite o menino.
“Sempre que surge no céu uma estrela-cadente, se fizermos um pedido do fundo do coração, o pedido se realiza”, explicou a avó.
Durante pouco mais de um ano Fininho acatou a sugestão da avó, mas seus pedidos jamais se realizaram. Quando uma estrela-cadente matou a avó do menino, este chorou no velório e descobriu que a mãe de sua mãe queria mantê-lo na inocência de um mundo lúdico. Descobriu que, o que a avó dizia ser estrela-cadente era, na verdade, uma munição que brilhava no escuro – uma espécie de morte alada e reluzente.
O Estado é como um polvo, e o único tentáculo do polvo que chegava à comunidade era a repressão policial. Levando em conta sua biografia de baixíssima escolaridade e outras mazelas, Fininho decidiu que devia ser preso – maneira única de garantir ao menos comida e teto. Encenou um assalto próximo a uma viatura policial e foi preso em flagrante. No presídio, descobriu que a liberdade é o que há de mais importante. Também foi descoberto... pelo crime organizado.
Hoje Fininho ocupa um alto cargo numa facção criminosa. E pela primeira vez na vida, sente-se importante. E até respeitado.