Acomodados em duas cadeiras de palha, no alpendre da casa onde reside o pequeno Pedrinho, com apenas 7 anos de idade e seu tio João, dialogavam por frases tranquilas e dóceis, a respeito da vida que levariam após a despedida do irmão e do pai de respectivamente. O tio, além desse parentesco, havia também batizado o menino, condição esta que na Igreja o deixa responsável para orientar o afilhado pelos caminhos até então desconhecidos.
Meu querido Pedrinho, o titio precisa conversar com você todo dia, porque de agora em diante, eu preciso me colocar no lugar do meu irmão, seu papai. A partir desse instante o Pedrinho se ajeitou na cadeira com semblante de gente adulta e disse ao tio: “Tio João, eu preciso contar com sua ajuda porque agora meu pai passou a morar junto do Senhor Deus. Meu pai tenta me passar mensagens, mas eu não consigo ainda entender as palavras que ouço de seus lábios”.
Eu entendo tudo isso meu querido Pedrinho, mas de agora em diante temos que compreender que nosso corpo jamais será imortal, vai envelhecer e um dia deixará de existir. Temos que admitir que aqui nós estamos para fazer algo por este planeta, tentando dar o melhor de cada um de nós, deixando as marcas de nossos passos, porque num dado momento a nossa caminhada termina.
Precisamos admitir que nossos pais não durariam para sempre, assim como nossos avós já não estão mais em nosso convívio. Admitir ainda que os nossos filhos pouco a pouco escolherão seus destinos e caminharão também suas jornadas longe dos nossos olhos. Nós temos que nos lembrar que, amado sobrinho, eles não nos pertencem como imaginávamos e que suas liberdades de escolha seriam também seus direitos sagrados.
Temos que entender que tudo pensávamos ser donos nos será impossível, isso é fruto de uma demagogia que nos acompanha desde quando o egoísmo tomou conta e nos fez imaginar que nossos pertences seriam eternamente maiores do que os de outras pessoas. Ledo engano.
Nós temos que admitir meu querido sobrinho que tudo que se encontra sob o nosso domínio e posse ficará para uso de estranhos quando não estivermos mais por aqui. Isso é tão verdadeiro como a nossa presença aqui. Pedrinho, temos que aceitar que, varrer nossa calçada todos os dias não nos dará nenhuma garantia de que ela seja propriedade nossa e que varrê-la com tanta constância será apenas um fútil alimento de nossa ilusão de posse.
Temos que admitir de agora em diante o que chamamos de “nossa casa” será apenas um teto temporário, que dia mais dia menos, será abrigo de outra família. Os nossos animais de estimação, as árvores que plantamos, nossas aves que também mortais, nunca serão objetos de nossa propriedade, apenas desfrutamos de momentos prazerosos cuidando delas.
Pedrinho, nós precisamos aceitar as nossas fragilidades sabe, nossos limites, porque são elementos reais de nossa condição de vida. Sabe meu querido, o que o titio precisa de você é que esteja entre os melhores alunos de sua sala de aula, que você respeite os professores porque eles são as diferenças em nossas vidas. Eles farão de nós as pessoas que o mundo precisa para ser digno de se viver nele. O titio vai acompanhar você todos os dias até que você possa caminhar com seus ideais assim como seu papai o fez. Dê um abraço no tio João agora, eu preciso disso para assumir essa tarefa contigo. Que Deus nos abençoe para que nosso sucesso seja certo e inevitável. Receba a minha bênção. Nós temos que nos desarmar abrindo nossos braços para recebermos e aceitarmos a nossa tão sonhada dignidade.