Balanço parcial já faz de 2019 o pior ano desde 2016, e estados da Amazônia Legal tentam combater alta com monitoramento remoto próprio, interiorização de bases de fiscalização e decretando emergência.
Foto aérea registrada pela Reuters mostra madeira que, segundo a agência, foi retirada ilegalmente da Amazônia em Anapu, municipio do Pará, em setembro — Foto: Nacho Doce/Reuters
O ano de 2019 já é o pior desde 2016 na comparação da área com alertas de desmatamento na Amazônia registrados pelo sistema Deter-B, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Divulgado publicamente pela plataforma Terra Brasilis na sexta-feira (11), os dados de setembro mostram que, nos primeiros nove meses do ano, a área com alertas chegou a 7.853,91 km². Esse número é quase o dobro da comparação do mesmo período de 2018: o aumento foi de 92,7%.
Considerando todo o ano de 2018, o balanço parcial de 2019 também é maior: o avanço foi de 58,7% – os dados do Inpe mostram que o total da área incluída em alertas entre janeiro e dezembro do ano passado foi de 4.947,40 km² O sistema Deter-B não representa uma estatística oficial de desmatamento; sua função desde que foi criado, em 2004, é produzir alertas expeditos para alimentar as equipes de combate ao desmatamento nas regiões da Amazônia e do Cerrado brasileiros. Os dados do balanço atual, porém, só são comparáveis a partir de 2016, porque em agosto de 2015 o Inpe reformulou a metodologia do sistema, usando satélites com resolução mais alta.
Procurados pelo G1, seis dos nove estados da Amazônia Legal afirmaram que tomaram novas medidas em 2019 para conter o desmatamento e também as queimadas, que passam pela decretação de estado de emergência à interiorização de bases de fiscalização e a criação de seus próprios órgãos de geoprocessamento e monitoramento local. Em dois estados, Acre e Amazonas, os governos chegaram a decretar situação de emergência por causa das queimadas (leia mais abaixo).
O G1 também procurou o Ministério do Meio Ambiente, mas o órgão não deu retorno até a publicada desta reportagem.
Diferenças regionais
Apesar de os dados de 2019 já superarem os da série histórica, considerando as realidades locais dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, o avanço dos indícios de desmatamento variou – em dois deles, por exemplo, a área dos alertas caiu na comparação com o ano passado.
Os motivos que levam ao desmatamento também são diferentes em cada local. Autoridades e especialistas ouvidos pelo G1 explicam que, como a Amazônia Legal tem um território de dimensões continentais, as razões por trás da decisão de promover ou não um desmatamento ilegal podem ir desde as condições climáticas à alta do dólar, passando ainda por variações na política de fiscalização e pelo desestímulo à exploração econômica da floresta em áreas que estão sob impasse judicial.
"Tem muita gente tomando decisões individuais em uma área do tamanho da Europa que a gente tenta entender em um único número", explica Gilberto Camara, pesquisador do Inpe na área de geoinformática, análise espacial e ciência do uso da terra.
Segundo o especialista, que já foi diretor do Inpe e atualmente dirige o Secretariado do Grupo de Observações da Terra (GEO) em Genebra, na Suíça, nos últimos 25 anos, os dados de monitoramento do órgão mostram que dois picos históricos de desmatamento coincidem com outros eventos da sociedade brasileira: em 1995, 2004 e 2003 – na época, o Deter não existia, e o desmatamento era monitorado apenas uma vez ao ano, por meio do sistema Prodes, também do Inpe.
No primeiro caso, Câmara explica que um dos motivos por trás do aumento expressivo de abate de árvores foi a estabilidade econômica do Plano Real. Já em 2003 e 2004, uma das razões apontadas por especialistas é uma reação ao novo governo, que indicava a adoção de novos aparatos de combate aos crimes ambientais. "Foi justamente aí quando o governo disse que não podia ficar refém do Prodes, que vem um ano depois. Ele precisava de um dado quente. Daí nasceu o Deter. O grande objetivo dele é ajudar na fiscalização", diz o especialista.
O que dizem os governos estaduais
O G1 procurou os governos dos nove estados que compõem a Amazônia Legal para perguntar quais são, na análise deles, os motivos por trás dos números regionais, e o que está sendo feito para combater o desmatamento e queimadas ilegais.
ACRE
O governo do Acre diz que, "além das condições climáticas favoráveis a propagação de focos calor no período seco, as condições culturais e as invasões de terras são alguns dos fatores atribuídos às queimadas em todo o Estado".
Neste ano, para combater o problema, o governo diz que "tem atuado de forma rigorosa, tomando por base as leis ambientais, para combater o desmatamento e as queimadas ilegais". Em 22 de agosto, foi decretada uma situação de emergência em todo o estado.
O governo também criou o Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma), reunindo órgãos para fazer o monitoramento local, e diz que suas comissões, comitês e órgãos têm se reunido, inclusive com o governo federal, para executar ações conjuntas, além de "fortalecer a produção agrícola aliada com a conservação do meio ambiente e o desenvolvimento socioeconômico de famílias rurais".
AMAZONAS
O estado do Amazonas diz que acompanha os dados divulgados pelo Inpe e ressalta que o Deter-B não pode ser usado como resultado consolidado de desmatamento. Segundo o governo, no início de agosto foi decretada situação de emergência no Sul do Amazonas e na Região Metropolitana de Manaus, e a força-tarefa contra queimadas estadual e federal "conseguiu reduzir em 39% os focos de calor no mês de setembro".
Além disso, o governo disse ter criado "centros multifuncionais" dos órgãos de meio ambiente no interior do estado, que "oferecem serviços de licenciamento e funcionam como bases para operações de fiscalização".
MARANHÃO
O Maranhão, um estado que já perdeu grande parte de sua Floresta Amazônica, foi um dos estados com queda na área de alertas do Deter-B entre 2018 e 2019. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema) afirmou que, "do ponto de vista histórico, a dinâmica do desmatamento na Amazônia Maranhense apresenta variações de acordo com fatores internos e externos".
O governo citou, entre os possíveis motivos para a queda, as ações de fiscalização do Ibama em terras indígenas e unidades de conservação, a zona de amortecimento da Reserva Biológica do Gurupi, que suspendeu o licenciamento de atividades de exploração no local e a "atuação de lideranças indígenas de proteção territorial ('Guardiões da Floresta'), com ações de monitoramento e fiscalização de suas terras e zona de amortecimento". Outro motivo, segundo a secretaria, é um impasse jurídico que contesta os percentuais de reserva legal na Amazônia do Maranhão, um "fator que tem levado à ausência de novas iniciativas de implantação de projetos econômicos na região".
O Maranhão diz que faz "monitoramento estratégico de áreas propícias ao desmatamento" e atua em parceria com as prefeituras no combate e conscientização sobre o uso de fogo e desmatamento. Desde o final de agosto, o Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão e o Exército Brasileiro atuam na operação "Maranhão Sem Queimadas".
MATO GROSSO
Em Mato Grosso, o governo estadual afirmou que vários fatores determinam as taxas de desmatamento, entre eles a variação cambial. "Com a valorização da moeda americana, o preço das commodities agrícolas sobem, aumentando a pressão nas fronteiras agrícolas", explicou o governo mato-grossense ao G1.
Em agosto, o estado passou a receber alertas semanais de desmatamento no estado produzidos pela Plataforma de Monitoramento com Imagens Satélite Planet, da empresa Santiago & Cintra Consultoria. Segundo o governo, o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), usando recursos oriundos da Alemanha e do Reino Unido por meio do Programa REM, adquiriu acesso à plataforma pelo valor de R$ 5,9 milhões durante um ano.
Desde 27 de agosto, uma ação integrada de combate ao desmatamento e queimadas ilegais já aplicou R$ 214 milhões em multas em uma área de cerca de 436 km², e "a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) aplicou até o momento quase meio bilhão [de reais] em multas e embargou cerca de 100 mil hectares [cerca de mil km²] para reforçar que a ilegalidade no setor não será admitida".
PARÁ
No Pará, o governo ressaltou que a média histórica de desmatamento dos últimos anos, segundo dados do Prodes, é de 4.383,55 km². O estado, segundo o governo, "é suscetível às oscilações de mercado e mudanças no contexto político nacional e internacional, processos esses que são acompanhados por externalidades, como migrações, aquecimento do mercado de terras e expansão de atividades agropecuárias que, se não acompanhadas de medidas de comando e controle, muitas vezes resultam em pressão sobre as florestas, seja pela exploração de produtos madeireiros ou na sua forma mais drástica, o desmatamento".
Para contar o desmatamento, o Pará diz que tem focado nas "áreas críticas" de seu território, com ações como o monitoramento remoto, a atualização de sua Lista do Desmatamento Ilegal (LDI), um programa de regularização ambiental e a integração de sistemas para controlar o transporte de produtos florestais, "pois sabe-se que a exploração ilegal de madeira é uma das pontas que levam ao desmatamento".
TOCANTINS
O Tocantins é um dos estados na "zona de transição" entre o Cerrado e a Amazônia. Segundo Marli Santos, diretora de Instrumentos de Gestão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins (Semarh-TO), "a diminuição do desmatamento é reflexo de alterações nas políticas públicas trazidas pela aplicação do novo Código Florestal", que criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e facilitou a identificação de propriedades rurais que tenham ou não permissão para desmatar.
Ela citou ainda duas "ações estratégicas" que o estado realizou entre 2002 e 2010 para fazer um diagnóstico da dinâmica do desmatamento no estado, e hoje diz que está reestruturando o processo de análise dos imóveis rurais do CAR e estuda aprovar um código florestal estadual "para instrumentalização e novos mecanismos para propiciar melhor ação dos gestores no combate ao desmatamento ilegal".
Os estados do Amapá, Rondônia e Roraima não deram retorno até a publicação desta reportagem.
Precisão do Deter-B
Mesmo não sendo considerado uma estatística real de desmate, o Deter-B já teve sua precisão validada em diversos estudos independentes, e também por documentos oficiais do próprio governo federal, inclusive pelo sistema Prodes, que representa a taxa oficial de desmatamento.
Fontes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ouvidas pelo G1 afirmam que o órgão, historicamente, recebe os dados do Deter-B diretamente do Inpe dias antes de ela ficar disponível na plataforma pública, e também se vale de outras imagens de satélite disponíveis de forma gratuita para fazer o geoprocessamento das informações e definir as prioridades das ações de fiscalização. Essa tarefa, dentro do organograma do instituto, cabe ao Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais (Cenima).
Em contrapartida, o Ibama devolvia aos pesquisadores do Inpe retornos sobre o que de fato encontraram ao visitar as áreas dos alertas. O G1 solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), as comunicações enviadas pelo Ibama ao Inpe contendo esse tipo de retorno, mas a Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro) afirmou que "o Ibama não possui as informações solicitadas".
Essa parceria é uma das formas por meio das quais o Inpe foi gradualmente aumentando a precisão do sistema Deter-B. Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe, afirmou que o instituto, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, também realiza periodicamente seus próprios trabalhos de campo para verificar in loco o que seu sistema de monitoramento aponta na análise das imagens de satélite.
Ao G1, o especialista Cláudio Almeida, que coordena o monitoramento da Amazônia no Inpe, afirmou que, em 2019, o instituto está preparando uma "missão para validação" dos dados, mas que a data ainda não foi definida.
Um estudo recente sobre a precisão do Deter-B foi realizado de forma independente por sete pesquisadores do Instituto Internacional de Análises de Sistemas Aplicadas (IIASA, na sigla em inglês) e publicado em 22 de agosto no site da Revista Science. Os especialistas afirmam que conseguiram verificar uma precisão de entre 73,7% e 80,1% no Deter-B para os meses de maio, junho e julho de 2019 e de 2018, usando satélites europeus de resolução mais alta que o do sistema do Inpe.
"Tais resultados servem como um demonstrativo da efetividade dos alertas produzidos pelo Deter", afirmou Cláudio Almeida ao G1.
A análise independente dos pesquisadores foi feita em resposta a um estudo que foi parcialmente apresentado pelo ministro Ricardo Salles em entrevista a jornalistas em 1º de agosto. Na ocasião, Salles apontou o que chamou de inconsistências no sistema no documento, que consiste em uma série de telas e foi chamado de "Análise expedita do DETER: inconsistências importantes verificadas em relação às áreas e datas dos alertas de desmatamento de Junho de 2019".
Almeida afirmou que, até 3 de outubro, o Inpe ainda não havia recebido a íntegra do estudo apresentado por Salles. O G1 tenta, desde 1º de agosto, obter uma cópia do material junto ao Ministério do Meio Ambiente, mas o documento ainda não foi divulgado. Segundo informações prestadas pelo Ibama via LAI, esse documento não foi produzido pelo Cenima. "O Ibama não possui a informação solicitada", respondeu o órgão.
Para Gilberto Câmara, os dados indicam que "não há nenhum movimento que diga que houve redução no desmatamento". Segundo ele, "mesmo considerando que possa ter uma diferença estatística, existe objetivamente uma tendência muito mais forte de desmatamento do que nos anos anteriores. Nisso os dados são evidentes".