É por isso que a fernandopolense Eloá Fernanda Stefani Topan, portadora de deficiência auditiva, já pediu para vereador da cidade apresentar projeto na Câmara
(Foto: Arquivo Pessoal)
Em meio a pandemia do coronavírus, a comunidade surda passou a enfrentar mais uma dificuldade para comunicação. Com o uso obrigatório da máscara, que cobre a boca, impede que os movimentos das palavras sendo formadas sejam identificados e compreendidos, na chamada leitura labial, utilizada pelo surdo.
É por isso que a fernandopolense Eloá Fernanda Stefani Topan, portadora de deficiência auditiva, já pediu para vereador da cidade apresentar projeto na Câmara tornando obrigatório que, no comércio e órgãos públicos, seja usada a máscara transparente que facilite a leitura labial. Esse foi um dos temas abordado nesta entrevista com Eloá.
Ela ganhou notoriedade em 2013, ainda estudante do Ensino Médio, quando apresentou projeto no Parlamento Jovem no Congresso Nacional, em Brasília, tornando obrigatório a inclusão de Libras - Língua Brasileira de Sinais – no currículo nacional das escolas de nível Fundamental e Médio.
Ela ainda tem esperança que algum deputado encampe a ideia, resgate o projeto e proponha a inclusão de Libras no currículo escolar para romper as barreiras da comunicação entre surdos e ouvintes, sendo uma oportunidade da vivência dentro do conceito da inclusão.
Hoje, formada em Pedagogia, Eloá trabalha na Santa Casa onde está ministrando curso de Libras para os colegas. A ideia foi encampada pelo provedor Marcus Chaer que é um dos alunos. A jovem Eloá foi entrevistada por CIDADÃO com a ajuda da intérprete de Libras Ivânia Lúcia da Silva Tiago. Leia a entrevista:
Nesta semana comemoramos duas datas importantes: 23 de setembro - Dia Mundial das Línguas de Sinais, instituída pela ONU em 2016; 26 – Dia Nacional dos Surdos. Essas celebrações contribuem para chamar a atenção para a comunidade surda que no Brasil representa milhões de pessoas?
Sim, comemoramos essas duas datas importantes, mas não podemos esquecer a data de 30 de setembro. Por que essa data? É o dia do tradutor e intérprete de Libras. Essas datas são um marco na história da comunidade surda. Há alguns anos a Libras era proibida e todos deveriam usar a oralidade. Com o passar do tempo, em 2002, a Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida no Brasil como meio legal de expressão e comunicação. Por isso, nós surdos comemoramos esse marco tão importante para nossa comunidade. O Dia do Surdo é comemorado devido a todas as lutas e conquistas. O Dia do Intérprete é muito importante, porque representa um elo de comunicação entre os surdos e o ouvinte. Essas três datas representam conquistas e acessibilidade.
O intérprete de Libras representa um elo de comunicação entre o surdo e o ouvinte
Qual a maior dificuldade hoje para um portador de deficiência auditiva?
Hoje, com a Covid-19 a maior dificuldade que enfrentamos é o uso das máscaras, pois alguns surdos fazem leitura labial e com a máscara, com a boca coberta, fica muito difícil. Conversei com um vereador para fazer um projeto para que as pessoas que trabalham no comércio e em órgãos públicos usem máscaras transparentes. Estou torcendo para que dê certo. Outra dificuldade é a falta do intérprete. Os surdos reclamam da falta de comunicação, desse elo que o intérprete pode nos proporcionar. Em São Paulo, que é um grande centro, tem muita acessibilidade. Aqui em Fernandópolis ainda temos dificuldades. Por isso precisamos fazer um projeto afim de melhorar a acessibilidade para o surdo. Vou citar um exemplo: quando participamos de palestras e não temos o interprete, é difícil para entender. Quando vamos ao médico também, falta comunicação. Por isso é fundamental a presença de um intérprete.
Você trabalha na Santa Casa desde 2015 e agora está tendo a oportunidade de ministrar curso de Libras para os colaboradores do hospital. Como avalia essa iniciativa?
Hoje, nós surdos que trabalhamos na Santa Casa começamos a nos comunicar melhor com nossos colegas de trabalho. Quando comecei a trabalhar, as pessoas nem se aproximavam, não tinha amigos. Eu sempre tive a ideia de ensinar Libras para as pessoas que trabalhavam comigo na Santa Casa, pois eu precisava dessa comunicação. Por exemplo: eu quero conversar no RH, falar com o chefe. Eles não sabem Libras. Se ensinar a Língua de Sinais, facilitaria tudo. Resolvi e fui conversar com o provedor (Marcus Chaer) sobre o curso de Libras e ele de imediato aceitou. Está até participando do curso. Hoje já mudou muita coisa. Mesmo com pouco tempo de curso nossa comunicação melhorou. Agora entendo de verdade como funciona meu trabalho.
As pessoas que participam têm encontrado alguma dificuldade? Hoje na Santa Casa, você tem mais facilidade de comunicação com seus colegas?
Sim, alguns alunos têm mais dificuldade. Não tem habilidades para fazer os sinais. Tento ajudá-los, motivá-los, adaptar para que facilite para eles. Eu, enquanto professora, sempre atenta, posso dizer que já melhorou nossa comunicação, o curso está deixando o pessoal mais solto. Um aluno que tem mais contato comigo, com os surdos que lá trabalham, já está mais eficaz na comunicação. Espero que no final do curso todos tenham uma boa comunicação em Libras.
O surdo tem a vida igual a todos, tem sonhos. Eu já realizei vários dos meus sonhos
Em 2013, ainda estudante do ensino médio, você participou do Parlamento Jovem Brasileiro com o projeto de inclusão de Libras no currículo nacional. Ainda tem esperança de ver Libras como a língua da inclusão?
O projeto que apresentei no Parlamento é muito importante para a comunidade surda porque é a adoção de Libras no currículo. É uma luta pela nossa acessibilidade. Acredito e tenho esperança que será implantado. Temos milhões de surdos que lutam por isso. Estamos aguardando e lutando para que tudo isso seja concretizado.
Hoje é mais comum ver na TV o interprete de Libras e os sites, inclusive o da Santa Casa, já terem acessibilidade para Libras. São avanços no processo de inclusão?
Então, o site da Santa Casa tem a janela de Libras, mas é muito pequena, porém é melhor do que não ter nada. Sempre temos informações no site com legendas, porém é mais importante a janela em Libras, pois parte dos surdos não sabem ler, não dominam a língua portuguesa. Essa é a melhor acessibilidade para os surdos. Estamos caminhando passo a passo para essa acessibilidade.
O que representou a chegada do WhatsApp para a comunidade surda?
O WhatsApp ajudou muito a nossa vida, a vida do surdo. Algum tempo atrás dependíamos muito das pessoas. Se precisava mandar um recado para um amigo, tinha que pedir para alguém. Solicitar algo, a mesma coisa, alguém tinha que fazer por nós. Hoje, com o WhatsApp eu mesmo peço e faço muitas outras coisas com o uso da tecnologia. Pedimos pizza, açaí e muito mais. Se quero conversar com um amigo, uso a web. Temos uma comunicação muito rápida. Então, o WhatsApp nos ajudou muito, facilitou nossa vida, tornando mais fácil a comunicação.
A Apadaf, na maioria das vezes, é o elo de comunicação entre o surdo e a família
Hoje você é formada em Pedagogia e trabalha na Santa Casa. Considera-se exemplo de superação?
Superação, transformação. É fácil? Não, não é nada fácil. Tudo é muito difícil. O surdo tem a vida igual a todos, têm sonhos. Eu também tenho meus sonhos. Sonhei fazer faculdade, consegui. Sonhei ter um trabalho, e aqui estou eu, trabalhando. E continuo tendo muito mais sonhos. Quero fazer cursos e buscar novos horizontes, coisas melhores para minha vida. Superação não é fácil. Eu tenho apoio da família, dos amigos, dos professores, do meu namorado. As vezes choro, fico ansiosa, e lá estão eles para me apoiar, conversar. Não é fácil, mas a vida continua e precisamos nos esforçar sempre, até a velhice. Também devemos nos esforçar para aprender sempre mais.
Em Fernandópolis, a Apadaf é a porta para inclusão?
A Apadaf - Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos - é uma associação que ajuda muitos surdos. Ela, na maioria das vezes, é o elo de comunicação entre o surdo e a família. Ela apoia na inclusão escolar, na aprendizagem, na sua evolução, no acesso a informação. Então eu peço a vocês, se souberem de algum surdo ou deficiente auditivo, os encaminhe à Apadaf. Ela pode mudar a vida do surdo. Eu já fui aluna e lá aprendi muito, cresci e evolui. Foi através do apoio da Apadaf que consegui fazer minha faculdade, meu trabalho. Grande parte da minha vida foi pelo apoio dessa entidade. Aprendi muito e a Apadaf é muito importante na minha vida. Hoje, devido ao trabalho, não estou tão presente. Faço apenas visitas. Mas sempre que precisarem de mim, estarei lá. Hoje tenho uma vida normal e a Apadaf muito me ajudou.
Tem planos para a vida pessoal?
Tenho, tenho muitos planos para minha vida, mas não vou contar para vocês.
*Cidadão Net