Ele se diz realizado com a profissão, mas espera mais valorização os profissionais de sua área
Leidiane Sabino
leidiane@acidadevotuporanga.com.br
Quem esteve no programa Jornal da Cidade, da Rádio Cidade, foi o delegado Ali Hassan Wanssa. Com 32 anos de Polícia Civil, ele já atuou em cidades como São Paulo, Batatais, Ribeirão Preto, Pontes Gestal, Valentim Gentil e está em Votuporanga há 12 anos. Foi um dos fundadores da DIG (Delegacia de Investigações Gerais). Entre os assuntos abordados, ele comentou que é a favor da junção entre Polícias Civil e Militar e contra o “bico” realizado pelos policiais. Ali responde pela cadeia de Votuporanga, Álvares Florence, plantões policiais e está à frente do Necrim (Núcleo Especial Criminal). Veja na íntegra a entrevista:
A Cidade: Sobre a sua passagem pela DIG, o senhor recebeu alguns elogios com relação à solução rápida de alguns casos. O senhor se recorda destes tempos?
Ali: Eu fico feliz, porque um dos casos que mais marcou foi mototaxista que matou dois rapazes e tentou matar um terceiro, um serial killer, né. Quando eu consegui desvendar o crime e prendê-lo, com ajuda do Judiciário, ele disse para mim, “ainda bem que o senhor me pegou doutor, porque esta semana eu já tinha agendando para matar uma mototaxista”. Eu me sinto realizado, porque, se não fiz muito, pelo menos acho que salvei uma vida.
A Cidade: O senhor se sente realizado como delegado de polícia?
Ali: Realizado sim. É o que eu gosto de fazer, mas me sinto decepcionado com a política do governo, porque na polícia, quem tem o dom, tem o dom, a gente não consegue viver sem isso. Agora, você percebe que fica enxugando gelo, ninguém te prestigia, ninguém te valoriza.
A Cidade: O senhor acha que o delegado de polícia não é prestigiado?
Ali: Nunca foi. Não tem prerrogativa de função; ele pode ser removido a toque de caixa, a bel prazer. Quando se deu aquele enfoque da PEC 37, que eles falavam que o delegado eles não podiam tocar na ferida, e, realmente, muitas vezes o delegado não pode tocar na ferida, porque ele não tem as prerrogativas que tem o juiz e o promotor. Quando eu mexi com, não vou citar nome por uma questão de ética, em uma cidade por onde passei, um presidente de Câmara foi condenado em um inquérito que eu fiz, conseguimos pegar o prefeito também na época com desvio de dinheiro. O que aconteceu? Minha carreira ficou travada por muitos anos. O problema não está no delegado fazer. Dê prerrogativa para o delegado e que vai fazer e vai fazer bem feito, doa a quem doer.
A Cidade: O senhor acha que agiu com seriedade, levantando o caso, e foi punido pela política? Aqueles que seriam criminosos agiram politicamente para prejudicar o delegado que realizou o seu trabalho?
Ali: o problema não está em prejudicar você no ponto de você ser punido, mas há uns meios que você não consegue uma transferência, você não consegue nada. Você fica batendo em ferro frio. Ninguém pode punir ninguém por trabalhar direito e isso não aconteceu de eu ser punido por escrito, mas entra muros, uma promoção, às vezes uma remoção, você não tem, você fica falando no deserto.
A Cidade: E este dito popular de que a polícia prende e o judiciário solta, o senhor é desta filosofia também?
Ali: Negativo, eu não concordo com isso. Votuporanga, como em outros Estados, como no Brasil, o juiz cumpre a lei. O promotor vai denunciar se estiver dentro da lei. A lei nossa até é boa, agora o que atravanca é o sistema processual nosso e o juiz é escravo da lei, ele tem que cumprir o que está legislação e o juiz cumpre. A pauta é muito grande de trabalho para um juiz, o promotor e o delegado. Essa história de fazer que a gente prende e o juiz solta, eu não concordo. O juiz solta porque está na lei.
A Cidade: E a lei nossa deixa a desejar?
Ali: O Código de Processo Penal de 1900 e lá vai bolinha, o Código Penal também e há de se ter uma reformulação. O juiz não pode julgar contra a lei, muitas vezes ele quer até condenar, mas ele não tem como condenar. No íntimo dele ele acha aquela conduta reprovável, mas não está inserido como crime, como é que ele vai condenar? Ele não pode condenar. Então, nós temos um judiciário bom no Brasil, embora tenha alguns Estados que é deficitário, mas é uma questão política, mas o judiciário funciona e funciona bem.
A Cidade: Mas nem todos os delegados pensam assim, né doutor? Tem delegado que acha que o judiciário não age com rigor que deveria agir, em cima da lei, e acaba prejudicando o trabalho da polícia.
Ali: Eu não concordo, porque o juiz tem que ser, enquanto juiz, juiz, não pode ser justiceiro. E a maioria age como juiz. E, como juiz, o réu tem certos direitos, está na lei e vamos cumprir a lei. Eu sou legalista, vamos cumprir a lei e o juiz cumpre a lei. Já conversei com juízes que eles gostaria, no fundo, de condenar o indivíduo numa pena maior, mas ele não pode julgar contra a lei. Não tem as ferramentas. A lei da o direito do indivíduo ter a liberdade provisória, tem os pressupostos e o juiz tem que dar. A lei determina que tem que decretar preventiva em determinados casos, o juiz decreta a preventiva. Acho que a Justiça no Brasil, pelo número de juízes que tem, que é muito pouco, assim como o número de promotores e de delegados, o sistema nosso funciona sim. O que não dá ferramentas para que ela funcione melhor é a própria legislação.
A Cidade: Então, os outros poderes acabam ficando reféns, subordinados ao legislativo.
Ali: Quem cria a lei é o legislativo e você sabe como ele funciona lá em Brasília. Eu estive lá por ocasião da PEC 549 e fiquei com vergonha de estar no congresso. Me desculpe, mas fiquei com vergonha. Tem um indivíduo lá discursando, falando de um projeto de lei, tem outros lendo jornal, o outro de costas, é coisa absurda. O outro me entra com chapéu de couro, com ray-ban, parece que saiu do carnaval. E aí fica, vossa excelência, vossa excelência e a coisa não vai. A imprensa está vendo tudo o que acontece.
A Cidade: qual foi a PEC 549?
Ali: Aquela que dava uma certa autonomia para o delegado e até um pouquinho melhor de vencimento, lógico que ela não passou e não vai passar, a não ser que o povo saia à rua e comece a cobrar. Eu vi no Congresso a invasão pela PEC 300, dos militares, que entraram em plenário, exigindo a PEC 300, que estabelece um piso mínimo para os policiais militares e bombeiros, que se diga a bem da verdade estão ganhando muito mal. O bombeiro dá a vida dele para ganhar R$3.000. Um policial militar usa um colete pesado o tempo todo, obrigatoriamente, para ganhar R$2.000 ou R$3.000.
A Cidade: Isso que está fazendo de oficializar o bico do policial militar é tapar o sol com a peneira?
Ali: Eu não vou discutir política de governo porque não sou a pessoa mais credenciada para falar e eu falo como cidadão. Eu sou contra o bico, policial não tem que fazer bico, o policial anda armado, ele não pode trabalhar estressado. Ele não pode trabalhar além de uma carga horária que pode ocasionar um estresse que ele pode até decidir a vida de uma pessoa. Arma de fogo mata, como é que um policial pode trabalhar 12, 13 horas por dia e o pior, o trabalho do policial não é comum, você só mexe com conflito, na rua você é xingado, na rua você é maltratado, você mexe com pessoas que às vezes estão desequilibradas, você mexe com clamor. Agora, um cara desse armado, trabalhando além do seu período de trabalho, ele pode botar em risco a segurança das pessoas. Porque, o que a gente visa? Tratar bem as pessoas, é o que eu quero.
A Cidade: O senhor acredita que a polícia civil corre o risco de deixar de existir?
Ali: Quando eu digo dela deixar de existir, quando você vê um animal em extinção, com a política do Ibama para preservar e tal, não quer dizer que vai acabar, geralmente pode existir um outro exemplar vivo ainda, mas do jeito que está indo, aumentando o serviço e não se contratando, o que eu quis dizer e chamar a atenção é que não se está contratando á altura. Nós estamos em Votuporanga em situação até privilegiada, você anda por todo o Estado de São Paulo e procura ver como estão as delegacias e não estou mentindo, o que eu falei é a pura verdade.
A Cidade: E com estão as delegacias no Estado de São Paulo?
Ali: No geral, está faltando funcionário em todos os lugares. A ONU estabelece que para cada 250 habitantes, um policial. A região de Votuporanga tem 15 delegacias e em todos estes lugares falta funcionário. Então, nós não temos acho que um terço do que é recomendado pela ONU.
A Cidade: O senhor foi contra o fechamento da delegacia do bairro Pozzobon?
Ali: Eu entendo que a polícia tem que estar mais próxima do povo, entendo que cada bairro tinha que ter sua delegacia, porque quando estou na delegacia vinculada a um bairro, um distrito, uma certa área, as pessoas passam a conhecer o delegado e eles vão me procurar. Fico mais próximo deles. Sou a favor da descentralização, opinião pessoal, mas não sou eu quem decide estas coisas.
A Cidade: Votuporanga está uma cidade violenta?
Ali: Está dentro do contexto, não vejo nada de exagerado. Aqui nós temos, graças a Deus, uma polícia militar boa, uma polícia civil atuante, o Ministério Público, o Judiciário também funcionam bem. Se você me perguntar se é o ideal, não é o ideal, eu gostaria que tivesse mais policiais, de muita coisa que estou esperando acontecer.
A Cidade: A Polícia Civil tem feito uma mobilização, uma paralisação
Ali: O movimento dos delegados. Acontece o seguinte, o defensor público, que vai atuar para tentar tirar o individuo da cadeia, começa inicialmente ganhando salário de R$12 mil; o delegado começa ganhando, quando muito, R$7 mil. Só que defensor público não trabalha de sábado, domingo, feriados, onde tem a turbulência, a comoção social, ele trabalha no gabinete dele, no ar condicionado, nas audiências. O serviço do delegado é essencial para bater de frente, mas na hora do reconhecimento com os vencimentos, ele não é lembrado, quando falo de delegado, falo das demais carreiras, um investigador de polícia vai ganhar R$3.000. O que ganha um PM,, R$2.500 no início de carreira, é um absurdo, e o que resta para nós? Veja a vida de um PM, de um investigador. E além de somar todo este trabalho que nós temos, a gente também auxilia o judiciário, porque ele, quando não localiza uma testemunha, uma vítima, o indiciado, ele pede ajuda para que a gente possa localizar e é nosso dever colaborar com o Judiciário e a gente assim o faz. Não é somente o trabalho da polícia, você também tem que fazer o trabalho de rescaldo. Me posiciono contra a greve, porque não acredito mais que o governo vai ceder, que ele vai nos atender. Se eu sei que tenho uma doença e sei que o remédio não cura, porque vou tomá-lo, em outras palavras, se eu sei que ele não vai me atender, porque que eu vou deixar de atender a população. Então, eu atendo a população e atendo bem, quem sabe a população reconhecendo o meu trabalho, saia às ruas e faça com que o governo mude de ideia, mas eu acho que a gente tem que conseguir o apoio da população é trabalhando e não brigando com ela. Espero que o governo de São Paulo tenha o bom senso e não deixe a ponto da polícia entrar de greve, porque se ele deixar chegar a este ponto, vai mostrar que não está preocupado com o povo. É duro você chegar todos os dias na delegacia e ter que incentivar o policial a trabalhar, ele vai ficando desmotivado e o delegada tem que ser também psicólogo.
A Cidade: O senhor disse em uma palestra do Conseg que os promotores tem que descer do pedestal, o que quis dizer com relação com isso?
Ali: Eu quis dizer que o juiz quando está apurando lá no Fórum, ele ouve as partes, mas não tem tempo para ficar ouvindo da vida das pessoas, nem pode. Ele tem que prosseguir com a pauta dele e com o desenrolar do processo. No Necrim já é diferente, a gente não busca o culpado, a gente busca o consenso. Eu quis dizer que eles não têm este tempo que a gente vai tentar oferecer para a população, mas eu jamais quis criticar o Judiciário, até porque o Judiciário de Votuporanga funciona bem, o Ministério Público também e a polícia se desdobra para fazer o melhor. A população tem que entender que na polícia não tem super-heróis, somos humanos, passíveis de erros, mas tentamos sempre acertar. Eu, pelo menos, gostaria que você saísse à rua e o melhor indicador é o povo, pergunta para a população do meu trabalho. Eu não quis criticar o juiz, porque seu que pelo que ele faz, ele ganha muito pouco.
A Cidade: É verdade que a maioria dos furtos acontece por causa da droga?
Ali: Acredito que sim. O que mova a maioria dos crimes é a droga.
A Cidade: O senhor é contra ou a favor da união da Polícia Civil com a Militar?
Ali: Sou a favor da união e vou te explicar porquê. A polícia Militar tem homens de bons valores e a maioria da Civil também. Poderíamos juntar os melhores de cada corporação, fazer um corpo de investigação e os de idade mais avançada, fazer o serviço administrativo. Tem uma ocorrência, vai a Polícia Militar, vai a Civil, vai Técnica, vai o Bombeiro, poderia ir uma única viatura. Se unir, teríamos uma polícia mais forte.