Se quiséssemos definir saudade diríamos que é uma ponte que liga o presente ao passado dentro de nós. É a manifestação do coração pedindo à mente que traga momentos de alegria vivido em tempos de outrora. A saudade nos devolve o passado e nos traz momentos de prazer parados no tempo, aguardando que a memória lhes chame. Por vezes, a saudade também resgata momentos de tristeza e dissabores. É impossível não relembrá-los. Felizmente são poucos. Eu não diria que esses pudessem ser momentos de saudades, melhor chamá-los de lembranças. A mente, em benefício da alma, procura apagar memórias indesejáveis. Algumas tristezas ela não consegue apagar. E como é difícil relembrar as coisas tristes! Quando essa ‘saudade’ chega sempre traz na mochila uma lembrança nostálgica, sentimento enorme de pessoas ou coisas distantes: o ente perdido, o amigo não mais encontrado, as inconveniências do trabalho ou da família, a separação inesperada, o filho que não atende, etc. A boa recordação é um sentimento saudável que ocupa espaços vazios dentro de nós simbolizando ausência de alguma coisa e a intensa vontade de revivê-la. A vida é um presente divino que não se desperdiça em quaisquer circunstâncias, disso não tenho dúvida. É uma fábrica de momentos que aos poucos envelhecem e recebem rugas do tempo, transformando-se em produtos rotulados e embalados com a marca ‘saudade’. Como é bom sentir saudades. Quanto tempo, às vezes, perdemos na construção de cada um de nossos dias fabricando inconveniências e coisas inoportunas, perdendo tempo mesmo na acepção da palavra. Se observarmos, concluiremos que são poucos os dias aproveitados. Demoramos muito para perceber a beleza das coisas e o perfume que acompanha cada uma delas. Perdemos tempo com fatos inúteis, com coisas banais. Demoramos aprender a falar, aprender a caminhar, a respeitar, a entender, e o que é pior, demoramos a aprender a amar. Retardamos muito em aceitar o novo amigo na nossa turma. Tempo perdido transformado em saudade negativa depois. Saudade que não adocica momento nenhum e muito menos nos embeleza a alma. Ademais, deixa o amargo sentimento de não termos feito o devíamos. Demoramos muito a praticar o perdão. Realimentamos a incoerência. Esperamos, quem sabe, depois dos 40, 50, ou dos 60 anos possamos adentrar na maturidade onde a saudade tem campo propício e brotos novos para florir a primavera da sabedoria e da coerência. Nesse período a vida é mais mansa. Pensamos mais vezes antes de proferir as respostas. Concluímos que respostas sejam dadas depois de muita reflexão para não cometermos injustiças. Tenho refletido muito sobre isso e chegado à conclusão que na maioria das vezes o silêncio tem sido a melhor resposta. A maturidade nos faz perceber que caminhamos para o final do jogo e nesse momento nada podemos desperdiçar. A oportunidade de viver momentos felizes nunca poderá ser descartada. Com certeza, esses momentos mais tarde serão transformados em saudades com todas as pompas que ela merece. Já disse um dia um grande poeta: “não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!” E é com esses amigos que todos os dias construímos a nossa saudade, essa doce loucura de sentir de novo o que o tempo não tem tido forças para apagar.
*Professor Manuel Ruiz Filho
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