O tempo do Advento vai chegando ao fim. Tempo marcado pela espera – a espera de Alguém, de um Outro que vem e mobiliza toda a nossa vida – encontra-se já em proximidade estreita com sua culminância, que é a Noite Feliz. Esse Outro desejado e esperado; esse Outro cuja espera é comemorada e vivida pela Igreja em tenso e intenso desejo é Jesus, o filho de Maria, o Filho de Deus.
Parece incrível que os tempos que vivemos, marcados pela impaciência e pela pressa; que não valorizam os rituais de espera e preparação dos momentos importantes da vida, mas procuram freneticamente antecipá-los e saber seu conteúdo prematuramente, ainda se deixem tocar pela espera e a chegada desse Outro. Parece incrível que o Natal ainda seja marca importante nos calendários e nas vidas modernas.
E, no entanto, para além de toda a febre consumista e pagã que se apossa das pessoas, do comércio e da mídia durante o final do ano; para além de todo o olhar desviado com que tantas pessoas exacerbam durante esta época do ano seu narcisismo, hedonismo e autocomplacência, o Natal continua acontecendo e sendo celebrado. A chegada que coroa a espera desse que é humano como nós e ao mesmo tempo totalmente Outro, inteiramente diferente de tudo que nossos cinco sentidos podem perceber, ainda encontra um lugar nas vidas e corações humanos.
Para o Novo Testamento e para a fé cristã, Jesus de Nazaré - em quem as primeiras comunidades reconheceram e proclamaram o Cristo de Deus - não é só alguém que revela Deus, mas é o próprio Deus revelado. A fé cristã é constitutivamente fé em Jesus Cristo. No centro da experiência de fé do Cristianismo está a pessoa de Jesus de Nazaré, reconhecido e confessado pela comunidade primitiva como o Cristo de Deus, o Senhor exaltado, sentado à direita do Pai.
Os Evangelhos não são biografias, nem o Novo Testamento, em sua totalidade, um documento meramente histórico. Mas, sobre uma base histórica real e autêntica, os autores neotestamentários oferecem sua interpretação de fé dos fatos histórico-transcendentes que marcam a vida, a morte e a ressurreição de Jesus. Aproximar-se dele é aproximar-se do mistério de sua pessoa, de sua figura, e por ela ser interpelado em cada momento histórico e cultural que toca a humanidade viver.
Por não ser simplesmente uma figura histórica entre outras, Jesus Cristo é referência para todas as pessoas de todos os tempos e lugares. Por não ser somente uma projeção das primeiras comunidades, mas ter solidez histórica, Jesus Cristo pode ajudar concretamente cada ser humano em sua inserção real e histórica, em suas circunstâncias espaço-temporais.
Por tudo isso e na verdade, a Festa de Natal, apesar de toda a ternura que a envolve, não deveria nunca perder o poder de assombrar-nos. Justamente por ser a celebração da grande “loucura” amorosa de Deus, que sem perder sua transcendência e divindade, arma sua tenda entre nós e assume nossa carne vulnerável, mortal e pecadora. Sendo totalmente Outro, torna-se semelhante a nós em tudo, menos no pecado. Chega depois de tanta espera, criança recém-nascida de ventre de mulher, fragilmente exposta aos perigos, conflitos e violências da condição humana. O Onipotente se deixa ver, tocar e sentir na impotência de uma vida humana recém começada. O Senhor do mundo, a Palavra que existia desde o princípio, deve começar um itinerário semelhante ao de toda criatura: ser nutrido, aprender a falar, aprender a andar, passar pelo doloroso e fascinante processo de crescer e viver.
Em Jesus no presépio, a Festa do Natal nos deixa contemplar Aquele que o mundo não pode conter, e no entanto coube no ventre de Maria. E cabe numa vida humana, com todas as suas limitações e finitudes. O Outro que esperamos e finalmente chega, se apresenta a nós como mistério, como algo que não podemos compreender com a nossa razão, mas apenas sentir e viver com nosso coração. Como Alguém que é totalmente Outro e diferente, e se faz próximo a ponto de podermos contemplá-lo na indefesa figura de um bebê recém-nascido.
O novo catecismo da Igreja Católica assim define o mistério de Jesus Cristo que celebramos no Natal: “O acontecimento único e singular da encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que ele seja o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem (n464)
Diante deste mistério, caem por terra as posturas soberbas e as especulações frenéticas. Tornam-se inúteis as correrias consumistas e as confraternizações vazias. Pois nenhum outro sinal nos será dado a não ser “um menino envolto em faixas e deitado numa manjedoura.” E nenhuma outra atitude se torna possível e sensata a não ser os joelhos que se dobram em adoração e o coração e as portas que se abrem para o acolhimento.
Pois a figura de Jesus Cristo une constantemente o presente e o futuro. Não é uma figura dualista, que se feche na oposição entre o terreno e o celestial. Na pessoa de Jesus Cristo estão definitivamente reconciliados e em feliz síntese, Deus e o ser humano, a palavra e a perfeita escuta obediente, a revelação e a fé, a história e a interpretação da fé, a terra e o céu, a carne e o espírito.
* Maria Clara Bingemer é teóloga