“O mundo não terá verdadeira paz, se as religiões não se dispuserem a dialogar e as religiões não avançarão nesse caminho se as Igrejas cristãs não trabalharem para alcançar sua unidade”. Essa afirmação do teólogo alemão Hans Kung pode ser lembrada nesta semana em que muitas Igrejas cristãs realizam mais uma semana de oração pela unidade dos cristãos. A preocupação de diálogo e a busca da unidade entre as Igrejas não é um assunto que interessa somente aos próprios crentes. De fato, existe um ecumenismo eclesiástico que envolve apenas a pastores e líderes e não interessa muito ao “público externo”. Entretanto, cada vez mais cresce o número de famílias, nas quais o marido é de uma confissão e a esposa de outra e isso tem gerado desencontros e sofrimentos. Movimentos populares e grupos indígenas percebem: é frequente crentes de religiões diferentes não aceitarem se unir na mesma luta social. Jovens amigos ou namorados sentem que o fato de pertencerem a comunidades religiosas diferentes os dividem. Só por isso, o ecumenismo a partir das bases e das causas sociais já seria do interesse de todas as pessoas de boa vontade. De fato, o objetivo maior da unidade entre as Igrejas e do diálogo e colaboração entre as religiões só pode ser para colocar as instituições religiosas a serviço da justiça, paz e cuidado com a natureza. Isso diz respeito, sim, a crentes e não crentes, às comunidades internas e aos movimentos sociais autônomos. Além disso, em um mundo cada vez mais fragmentado e dividido, o esforço de unidade entre as Igrejas, assim como o diálogo e cooperação entre as diversas tradições religiosas tem uma de suas bases em uma abertura intercultural, elemento essencial para a paz entre os povos, como também entre grupos sociais. Nesse momento, em que, na América Latina, o novo movimento bolivariano, emergente em vários países do continente, se baseia nas culturas autóctones, a abertura das Igrejas e das religiões à pluralidade cultural e religiosa pode ser uma contribuição importante para a consolidação desse novo tipo de socialismo para o século XXI.
Há exatamente 103 anos que, anualmente, Igrejas católicas, evangélicas e ortodoxas dedicam uma semana a orar pela unidade e a dar passos concretos de entendimento e busca de uma maior comunhão. Atualmente, além da Igreja Católica, 349 Igrejas evangélicas e ortodoxas se unem no Conselho Mundial de Igrejas e celebram a semana da unidade. No hemisfério norte, essa semana começa no dia 18 e vai até o 25 de janeiro. No hemisfério sul, como janeiro é mês de férias e dispersão, é celebrada em maio, antes de Pentecostes. Ela comporta orações em cada Igreja pela unidade entre as confissões diferentes, inclui também cultos em comum e reuniões de diálogo. Para aprofundar uma verdadeira unidade, todos são chamados a se conhecer melhor. Muitos preconceitos se alimentam do desconhecimento e da ignorância do que o outro verdadeiramente é e pensa. A partir da aproximação na vida, se torna mais possível a colaboração no serviço comum pelo bairro e pela cidade. E então sim, se aprofunda o diálogo da fé e a comunhão no culto. Não se trata de buscar uma unificação das estruturas. Cada vez mais se descobre o valor da diversidade. O que se deseja é a unidade na diversidade e a serviço da humanidade. No Brasil, desde o seu começo, a pastoral da terra que acompanha e apóia a luta dos lavradores pela terra e por seus direitos tem uma profunda abertura ecumênica. O Conselho indigenista missionário que acompanha a caminhada dos povos indígenas não só respeita e valoriza as religiões indígenas como aceita a colaboração de cristãos de várias Igrejas para fortalecer essa causa comum. E assim agem as diversas pastorais populares. Esse esforço de diálogo e colaboração entre os diferentes é como ensaio de um mundo de paz e unidade no respeito à pluralidade das culturas e tradições. No século III, Cipriano, bispo de Cartago ensinava: “A unidade abole a divisão, mas respeita as diferenças”.
*Marcelo Barros é monge beneditino e escritor