Há distância abissal entre o fato da corrupção e a “cultura da corrupção”. Enquanto existirmos, nós, seres humanos, seremos sempre tentados pelos três famosos deuses do dinheiro, do sexo e do poder. E enquanto estivermos nesse vale de contradições da história humana, uns mais, outros menos, todos pecamos. S. Paulo, de modo enfático, conclui, depois de ter traçado o quadro de pecado dos pagãos e dos judeus, símbolos de toda a humanidade, que “todos nós pecamos”. Mas não para aí. Onde este pecado grassou abundantemente, aí também a graça salvadora de Cristo atua ainda mais abundantemente. Todo esse cenário escuro existe em vista de fazer realçar o esplendor do amor salvador de Deus em Jesus Cristo.
Por isso, o fato do pecado, o dado da corrupção nos horrorizam. Sempre houve, sempre haverá. Mas, também sempre está o chamado de Deus à conversão, oferecendo a superabundância da graça.
A situação se degrada quando a corrupção se torna cultura. A cultura dita as regras do procedimento, cria comportamentos padronizados. Permite que as pessoas se entendam entre si. Representa para elas a realidade. Torna-se algo normal, corriqueiro. Oferece significado para a vida da sociedade. Revela a lógica dos procedimentos do corpo social. Ora bem, se a corrupção se transforma em cultura, acontece que todo mundo não a estranha, ninguém se indigna contra ela. Espera-se que todos assim o façam. Colocadas em situação de provocação a ela, as pessoas respondem normalmente deixando-se corromper ou corrompendo outras por meio de suborno, de pistolão, de prestígios alegados.
O mais grave da “cultura da corrupção” se revela na perda do senso ético da sociedade. Ninguém já considera tal comportamento como desviante. Assim desde o menino que está a guardar os automóveis no estacionamento que tenta pressionar as pessoas ameaçando arranhar-lhes o carro até os setores mais graduados da sociedade que se vendem às empreiteiras para elegerem-se e enriquecerem-se. Há diferença de graus. E como? Lá em cima, a corrupção rola em alta escala. Aqui em baixo, são minguados reais. Mas grassa idêntica enfermidade cultural. Prevalece o comportamento geral de que cada um aproveite quanto puder, não importa o meio. Domina a expectativa de enriquecimento rápido e fácil a fim de resolver definitivamente a própria situação econômica.
Em vez da cultura da laboriosidade, do ganho módico, gradativo, poupado, busca-se a riqueza em maior abundância possível, aproveitando todas as situações. Ora, cultura se modifica “culturalmente”. Cabe, portanto, reconstruir o tecido da sociedade a partir de outros comportamentos, outras expectativas, outros valores em duplo movimento. Antes de tudo, trata-se de desestimular a corrupção por todos os meios, punindo simbólica e realmente os corruptos. Em seguida, busca-se criar consciência ética de honestidade, de respeito a si, de dignidade de modo que a corrupção se torne comportamento anômico, anômalo, não reconhecido pela sociedade. Os fautores sentirão vergonha, esconderão o máximo possível, temendo que ela venha à luz. Então se cumprirão as palavras de Jesus: “Todo aquele que faz o mal odeia a luz, com receio de que as suas obras sejam desmascaradas” (Jo 3,20). E na sociedade então acontecerá que “aquele que age segundo a verdade vem à luz para que suas obras sejam manifestadas, já que tinham sido realizadas em Deus” (Jo 3, 21).
*João Batista Libânio é teólogo