A festa de Pentecostes, celebrada neste domingo, lembra a vinda do Espírito Santo sobre os primeiros cristãos, reunidos no cenáculo em Jerusalém. Com a força do Espírito, sentiram-se animados a partir em missão.
Daí para a frente, o Espírito Santo iria conduzir a Igreja. Ele se encarregaria de indicar os rumos, e até de antecipar os passos que os cristãos deveriam dar.
Foi o que aconteceu, por exemplo, quando Pedro foi procurado por Cornélio, um pagão, que o convidava a visitar sua casa. Ao entrar, Pedro se surpreendeu, vendo que o Espírito Santo descia sobre os pagãos, da mesma maneira como tinha descido sobre eles em Pentecostes.
Pedro então compreendeu que os pagãos eram destinatários do Evangelho, tal como o povo de Israel. A Igreja aprendeu a estar atenta aos sinais do Espírito, para tomar suas decisões com segurança.
Foi o que aconteceu em nossa época, com o anúncio do Concílio Vaticano Segundo, em janeiro de 1959. O Papa João 23 não se cansava de testemunhar que a idéia de um concílio tinha surpreendido a ele mesmo. A certeza da inspiração divina lhe vinha da pronta adesão do povo, que de imediato se identificou com a proposta do papa. Com esta certeza, a Igreja pôde levar em frente a realização do Concílio.
Algumas manifestações do Espírito são fáceis de identificar. Sobretudo quando contam com o aval do povo. A própria teologia reconhece que o “sensus fidelium”, a “intuição dos fiéis” é sinal seguro de procedimento eclesial.
Mas existem situações mais complicadas. Nem sempre o clamor do povo é porta-voz do Espírito Santo. Há certas manifestações, também políticas e sociais, cuja ênfase, em vez de manifestar caminhos seguros de procedimentos corretos, esconde interesses não confessados, e tenta forçar rumos que não levam ao bem comum.
Por isto, não dá para colocar na conta do Espírito Santo todas as manifestações populares. A confiança no Espírito de Deus não dispensa o esforço de discernimento, para perceber os valores que estão em jogo.
O próprio Evangelho nos dá uma pista, quando Jesus explica como seria o procedimento do Espírito. Disse Ele que o Espírito “não falará de si mesmo....mas receberá do que é meu e vo-lo anunciará” (Jo 16, 13).
Com esta afirmação, Jesus sinaliza a necessidade de constatar a coerência entre o que ele fez e ensinou, com as manifestações que possam ocorrer. Para serem do Espírito, precisam estar em sintonia com as verdades objetivas proclamadas por Cristo.
A Bíblia conta uma bonita história, para advertir da necessidade de discernir a presença de Deus. Elias estava refugiado na caverna, nas proximidades do monte Horeb. Foi avisado que Deus passaria naquela noite. Ele se colocou então na entrada da caverna. Veio um forte furacão que fazia as rochas se contorcerem. Mas Deus não estava na furacão. Depois aconteceu um violento terremoto, que sacudiu a terra. Mas Deus não estava no terremoto. Depois desceu um fogo devorador. Mas Deus não estava no fogo. Por fim, veio uma brisa suave, que amenizou todo o ambiente. Era Deus que estava chegando.
Precedendo a este episódio, o mesmo livro narra a cena do confronto de Elias com os 400 sacerdotes do deus Baal. Desafiados por Elias a invocarem o seu deus para que fizesse descer fogo sobre a lenha da oferenda, os sacerdotes gritaram o dia inteiro, mas não foram capazes de se fazerem ouvir por seu falso deus. Ao passo que Elias, com poucos palavras, foi prontamente atendido por Javé.
Há certas manifestações que se assemelham à gritaria dos sacerdotes de Baal. Em nada contribuem para o discernimento objetivo dos problemas a resolver.
A análise objetiva da realidade é garantia mais segura do acerto das decisões a serem tomadas.
*Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales