Em todas as profissões há uma ética de conduta implícita ou explicita para suas ações. O judiciário que outrora se propunha como o grande bastião ético em nossa sociedade também se enquadra nesse preceito. Mas há algum tempo o judiciário deixou de dar essa impressão.
Que a indústria farmacêutica, por exemplo, banque um congresso de médicos e profissionais da saúde, para que esses mesmos profissionais receitem os remédios fabricados por ela, é um costume antigo no meio. Mas não se pode dizer que seja algo ético. No entanto, que juízes passem fins de semana em resorts no litoral brasileiro tendo as contas pagas pela iniciativa privada, bem, isso é algo ainda mais grave.
Já li e ouvi vários juízes afirmarem que tal prática não influencia suas decisões. Essa afirmação demonstra uma falta de perspicácia sobre a psiché humana. Os homens são movidos por seus desejos que nem sempre são conscientes. A tendência de ser benevolente com esses “mecenas” e agir de maneira exclusivamente emocional em suas decisões em um eventual julgamento não é algo impossível de ocorrer.
O julgamento isento que muitos teóricos do direito afirmam ser necessário a um magistrado é pura ilusão. O profissional está condicionado a fatores externos. Sua educação, sua formação e suas relações pessoais influenciam em sua decisão. Talvez o próprio julgamento seja ilusão. Quiçá os magistrados partem de um pré-conceito e ao analisarem as provas buscam adequá-las à sua posição inicial.
Magistrados que se colocam como superiores aos demais indivíduos da sociedade é um tanto caricato e não condiz com a realidade. São humanos, demasiado humanos.
Assim, não é preciso ser um jurista para saber que para juízes a máxima “diga-me com quem tu andas que te direi quem és” vale mais do que para os outros. Devemos nos perguntar o que Gilmar Mendes fazia com Lula no escritório de Nelson Jobim. Não é de se estranhar a preocupação do segundo com o julgamento do mensalão. Mas é um tanto curioso que no momento crucial sobre se haverá ou não o julgamento dos réus do processo em tempo hábil, um juiz da mais alta corte do país aceita o convite para se encontrar com um dos homens mais fortes da política brasileira e grande interessado no julgamento.
Se Lula pediu ou não a Gilmar Mendes a troca de favores, abrandar o julgamento do mensalão em favor da defesa do nome do ministro na CPI do Cachoeira (Gilmar foi citado juntamente com Demóstenes Torres como tendo usado um avião bancado por Carlos Cachoeira), será difícil de saber, mas a imprudência de Mendes ao aceitar o convite do ex-presidente é muito grande.
Todas as pessoas têm direito de terem como amigos pessoais fulano ou sicrano e de aproveitarem dessa amizade. Mas magistrado algum deve esperar complacência da sociedade de suas atitudes pessoais, já que é um homem público e, dessa feita, deve satisfações aos demais. A indiscrição de um membro da alta corte traz novamente sérias dúvidas e reabrem velhas feridas sobre o nosso judiciário, outrora bem visto. Que sirva de mote para reflexões profundas sobre ele.
*Émilien Vilas Boas Reis é professor de Filosofia do Direito e Metodologia de Pesquisa na Escola Superior Dom Helder Câmara