“Fica atento às circunstâncias, observa se elas te são favoráveis ou não. Com aqueles cujos partidos a que pertencem os tornam poderosos ou com aqueles que estão bem na corte usa de todos os meios para fazê-los teus amigos.” A recomendação é do cardeal Mazarino, autor do célebre Breviário dos Políticos, sucessor de Richelieu como primeiro-ministro de Luis XIII e, após a morte deste, senhor absoluto do Reino da França por 20 anos.
Foi este, seguramente, o conselho que guiou um dos perfis mais execrados do País a se juntar a um dos perfis mais admirados de nossa história em torno do candidato do PT, Fernando Haddad, a prefeito de São Paulo. A arquitetura de conquista do poder a qualquer custo não apenas sela inusitada parceria entre históricos adversários, o ex-presidente Luiz Inácio e o deputado Paulo Maluf, mas põe em relevo malefícios e desvios proporcionados pelo sistema eleitoral.
Ante perturbadora pergunta sobre a razão para justificar a união dos contrários, o próprio Maluf pinça de seu breviário da política o argumento: “Hoje não existe direita nem esquerda; o que há são minutos e segundos de TV e rádio”. Maneira de dizer que o socialismo apregoado pelo PT é lorota; que as luzes do passado não iluminam o presente; e que a política, para usar terminologia do dramaturgo Nelson Rodrigues e reinventada pela presidente Rousseff, é conduzida, hoje, pelas mãos de um senhor chamado Inexorável Pragmatismo da Silva. O “silva” se refere a ele mesmo, o todo-poderoso Luiz Inácio Lula da Silva, que comanda no petismo a era pragmática, cujos reflexos estão em todas as partes. É sabido que a esquerda e a direita têm mais serventia para orientar o trânsito do que para criar divisões no arco ideológico. E mais: o estado da política, principalmente nos ciclos eleitorais, resulta da midiatização, fenômeno que leva em conta os tempos dos candidatos no rádio e na TV.
A política, desde os anos 60, ganhou ares de espetáculo. Nos espaços circenses, a imagem dos atores é o que fica gravado na mente dos espectadores. Daí a observação de que a imagem se sobrepõe à verbalização do discurso. A questão ganhou ênfase com o famoso debate entre John Kennedy e Richard Nixon, em 26/9/1960. Os telespectadores viam um Nixon de “pele pálida, branca e transparente e os cabelos negros como azeviche”, contraste que dava impressão de abatimento. Ao seu lado, um Kennedy exuberante, sorridente e jovial, a demonstrar confiança e determinação. Lula aprendeu que a imagem anima ou desanima o eleitor. Intuiu que Dilma, sem nunca ter obtido um voto, conquistaria, com larga exposição, a simpatia popular para ganhar o pleito de 2010. Por isso se esforça para ganhar um minuto e meio de TV. Mas Haddad não poderá perder votos por causa da... imagem de Lula nos jardins da casa do seu novo (ou velho?) companheiro? Afinal, não foi a foto de Lula congraçando-se com Maluf que afastou Erundina do cargo de vice na chapa petista? Ora, os pragmáticos chegaram à conclusão de que eventuais perdas poderão ser compensadas com a visibilidade aumentada do candidato petista.
O fato é que as campanhas eleitorais se banham nas águas das imagens de candidatos. Para desajustar ainda mais as engrenagens tradicionais da política, dispomos de um sistema eleitoral que privilegia a forma, não o conteúdo. É lamentável constatar que o engessamento da política ao marketing se torna mais forte a cada eleição. A moldura do Estado Espetáculo, como se sabe, propicia o fenômeno chamado de personalização do poder, que aparece quando uma pessoa, mesmo não detendo o domínio institucional, demonstra agregar imensa capacidade de influenciar. Isso é ainda mais significativo quando o figurante tem carisma, passando a ser visto como pessoa capaz de realizar extraordinárias façanhas. O culto à personalidade, a alienação das massas, a embriaguez do poder são alguns deles. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.