Crescer, distribuir, prosperar e continuar crescendo sem agredir o meio ambiente. Esse é o desafio mais premente dos dias atuais. Seria isso possível ou pura utopia? Essa discussão é ampla e não se esgota tão facilmente. Conquanto, é impossível fazer uma economia crescer sem produzir na esteira desse acontecimento intensos impactos ambientais com emissão de gás carbônico. Apenas nos últimos cem anos da história da humanidade, a produtividade aumentou significativamente, fez prosperar o capitalismo, diversificou-se a capacidade produtiva sem precedentes. No entanto, como não poderia ser diferente, elevou-se de forma considerável a emissão de carbono. É sabido que nenhuma população e nenhum padrão de vida elevado se sustentam indefinidamente. Em algum momento, os limites vão surgir. Quais são, entretanto, esses limites diante do mais urgente desafio de construir uma economia de baixa emissão de carbono que faça prosperar o padrão de vida dos mais necessitados?
Um primeiro limite a ser considerado é de ordem conceitual. É necessário entender, definitivamente, que a atividade econômica não pode conquistar tudo e a todos. Se desejarmos medir desempenho econômico pelas lentes exclusivas das ciências econômicas, ao menos duas variáveis de suma importância precisam ser consideradas: 1. O aumento da renda per capita e familiar e, 2. A possibilidade de assegurar a continuidade da vida.
A primeira variável é de amplo conhecimento de qualquer economista. Já a segunda, alguns economistas tem tido certa dificuldade em assimilar tal prerrogativa, uma vez que é comum ignorarem as leis da natureza, assim como os ecologistas, pelo seu lado, em geral, não consideram os mecanismos econômicos.
O que todos temos que entender é que, no “dicionário da vida”, desenvolvimento significa, grosso modo, organizar socialmente a economia para efetivar-se acesso ao mínimo indispensável para bem viver. É imperioso, nesse aspecto, enfatizar que por trás da ideia dominante de se alcançar desenvolvimento encontra-se nitidamente o objetivo precípuo da ciência econômica: atingir bem-estar social, econômico e ambiental.
Definitivamente, o que importa em matéria de qualidade de vida e de economia social, humanal e ambiental de forma “saudável” não é atingir crescimento em termos quantitativos, mas, sim, qualitativos. Um segundo aspecto conceitual que decorre desse ponto em que estamos discutindo diz respeito a não mais obedecer cegamente à ordem que impera na macroeconomia. Enquanto a “ordem macroeconômica” básica recomenda o crescimento sem limites da atividade econômica, a “ordem ecológica” recomenda criar maneiras para se viver sem sobressaltos, sem ameaças. A lei básica dos compêndios macroeconômicos sempre foi o de buscar o aumento incessante do consumo. Já a receita ecológica é um pouco mais simplista, porém, não mesmo objetiva: deve-se respeitar as leis da natureza para, com isso, ver-se asseguradas toda e qualquer possibilidade de vida com qualidade.
Faz-se necessário o entendimento de que um sistema econômico para promover qualidade de vida não necessariamente precisa aumentar de tamanho. Não há nenhuma magia nisso. O que deve ocorrer é algo chamado planejamento. Isso não fere mortalmente os objetivos daquelas economias que ainda encontram-se atrasadas em matéria de crescimento econômico, cuja maioria da população passa por sérias privacidades nos termos mais básicos para se atingir a tão almejada melhoria de vida. Em muitos casos, melhoria da qualidade de vida passa mais (e não unicamente) pela ideia da distribuição do que já foi produzido, rompendo, assim, com aquela erva daninha chamada “concentração”. Não necessariamente passa, portanto, por produzir mais, mas sim por desconcentrar o que está em posse de poucas mãos.
Já do lado das economias mais ricas, os limites ao crescimento esbarram nas ações individuais e coletivas fortemente arraigadas numa ditadura que valoriza a ideia central do consumo conspícuo. Um impedimento real do que estamos mencionando encontra-se na própria dinâmica do capitalismo. Enquanto essa dinâmica tacanha estiver balizada na criação de necessidades materiais e muitas vezes superficiais, será difícil levar adiante a noção central de que toda e qualquer atividade econômica apresenta limites. Infelizmente, sempre haverá alguém disposto a defender os ideais de que o planeta, pelo uso constante do conhecimento tecnológico, num belo dia qualquer dará conta de todas as necessidades materiais. Os que assim pensam são categóricos: é necessário fazer a economia crescer; é imperativo, dizem esses, que a prosperidade se expanda, pois há de se resgatar aqueles que ainda se encontram abaixo das linhas de pobreza e indigência. Tristemente, esses são os que mais ignoram as leis da natureza. E, certamente, esses não sabem também que não é o planeta que está em perigo pela agressão constante das mãos humanas no ato de produzir, mas, sim, a nossa espécie. Se alguém um dia qualquer corre sério risco de acabar, seremos nós, e não o planeta que sabe e saberá viver sem seus (nós) incômodos moradores. Os que ainda insistem em ignorar a questão ambiental não se deram conta que a atmosfera do planeta está abafada, segundo dados do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), por um manto de gás com 800 bilhões de toneladas de carbono. Esses parecem ignorar por completo que isso provocará, até 2030, a elevação da temperatura em mais 2° Celsius. Esses apedeutas insistem em dizer que isso se trata de mera retórica; já os mais sábios estão muito conscientes de que se trata de uma catástrofe; uma bomba-relógio.
Por fim, esses que ignoram a questão ambiental e fazem coro à perspectiva de que crescendo economicamente põe-se fim às dificuldades sociais, se equivocam ao não olhar o histórico do nosso país. Por qualquer régua que se meça, percebe-se que a nossa história foi de muito crescimento econômico, mas de pífio desenvolvimento social coligado a um profundo desrespeito para com a questão ambiental. De nossa parte, não temos dúvidas de que se a intelligentsia brasileira ainda não entendeu corretamente o significado e a abrangência dos termos desenvolvimento socioeconômico e preservação ambiental. Nos últimos cem anos o PIB brasileiro cresceu quase 150 vezes, mas, em pleno século XXI, ainda se contam mais de 15 milhões de famintos num país que é dono do maior rebanho bovino do mundo. Em decorrência desse crescimento sem desenvolvimento atrelado a uma intensa agressão ambiental, apenas nos últimos 40 anos, 18% da Floresta Amazônica foi destruída. Essa “patologia ambiental” dos últimos anos, responsável por 75% da emissão de gás carbônico, decorre do forte desmatamento. Moral da história: fizemos a economia crescer, melhoramos a vida de uns poucos e relegamos 15 milhões de nossa gente a uma condição de vida miserável. Na somatória dos fatos, ainda “matamos” quase 20% da nossa Floresta. Quem está mesmo em perigo?
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista brasileiro