*Pe. Alfredo J. Gonçalves
Não se trata de um pentecostes, longe disso. Apenas uma presença tão simples quanto profunda, inefável e inesquecível. Menos que um segundo de brilho e fulgor tão intensos que chegam a suspender a fala e o fôlego. Algo que não cabe em palavras e que mal pode ser esboçado com a razão humana. Tampouco se pode olhar de frente sob a ameaça de ficar cego. Tudo ao redor fica suspenso, o tempo, o som das coisas, as sensações mais elementares!...
Um raio inesperado, como uma graça imerecida e ao mesmo tempo bem vinda, rasga a noite do coração num instante de indescritível luminosidade. Tudo clareia, deixando a alma frágil, inerte e nua diante de si mesma e do infinito. Alma despida, sim, mas revestida de uma roupagem que tecido algum pode imitar. Logo a chama se apaga, com a mesma rapidez com que surgiu, mas sua passagem fulgurante fica gravada para sempre no espírito. Se curta e fugaz é a duração, eterna é a impressão luminosa deixada na criatura.
A verdade é que há tempo eu Lhe havia fechado a porta e me isolado um pouco de tudo e de todos. Andava atarefado com mil coisas que tomavam todo tempo. Dispersava-me em todas as direções, fragmentava-me em atividades. Ao mesmo tempo, fechava-me e deixava-me arrastar por um redemoinho voraz e sem fundo. Fechar-se em si mesmo é um processo complementar: é fechar-se também em todas as direções: em relação ao infinito, ao outro, aos pobres, à beleza da criação... Encaramujar-se, trancar-se, afogar-se no próprio veneno!
Dentro da casa deserta, aqui e ali, as teias de aranha e insetos iam se acumulando pelos corredores e quartos. A umidade também tomava conta do chão e do teto, das paredes e dos móveis. O resultado é que arrepios de frio percorriam todo o corpo do edifício. Bolor e um cheiro forte de mofo completavam o quadro de um ambiente vazio, triste e abandonado. Seres desconhecidos e fantasmagóricos pareciam se apossar do lugar. Sentia-me um estranho no interior da própria morada.
Ao mesmo tempo, rodeava-me de uma série de entulhos. Novidades onde pretendia encontrar um novo sentido. Coisas e mais coisas que iam virando lixo pelos armários e móveis da casa. Mas elas só faziam aprofundar o abismo de um vazio sem nome e sem remédio. Quanto mais objetos, maior o desejo de outros... E muito maior a sede de algo mais vivo e significativo. Inquieto e sem rumo, perambulava entre esses seres frios e sem alma.
É então que Deus visita minha casa!...
O Espírito de Deus não chega como um fogo abrasador e arrasador, mas como uma luz que ilumina e aquece. Seus raios, em lugar de cegar ou queimar, se refletem radiantes por todos os cômodos. Penetra os cantos mais ocultos e obscuros de minha morada e lhes devolve a alegria e o calor da vida. Confortam em lugar de inquietar e acusar; transfiguram a culpa e a vergonha numa paz que desce até o âmago do ser.
Uma transparência diáfana, como um véu sagrado, toma o lugar das trevas. Tênues pontos de luz brilham como estrelas em meio à escuridão. Pequenas referências num momento que eu as havia perdido todas. Começo a vislumbrar os contornos do porto e do farol. Já não me sinto tão perdido nem só em meio à tempestade e às ondas ameaçadoras. Aos poucos, delineia-se um rumo a tomar.
O Espírito também não chega como um vento impetuoso que tudo devasta e varre, mas em forma de brisa suave. É como se dedos invisíveis houvessem aberto as janelas para a entrada de anjos igualmente invisíveis. Uns e outros, sempre invisíveis, além de renovar o ar pesado, acarinham e afagam tudo o que tocam.
Um toque primaveril de magia. Faz reviver as células necrosadas de um prédio que ameaça declinar para o outono e o inverno. Os fantasmas da escuridão dão lugar a criaturas doces e amáveis, silenciosas e calorosas. Toda a casa povoa-se de tais criaturas ao mesmo tempo estranhas e familiares. A casa se ilumina, há clima de festa no ar! Toalha branca, flores, luzes, tapetes, convidados, música, dança, aromas diversificados... A atmosfera promete um verdadeiro e inesperado banquete.
Enfim, o Espírito não chega como um barulho invasor e estridente, mas como um silêncio habitado pelo mistério. Silêncio que expulsa o mutismo, o isolamento e a solidão. O terreno árido e estéril vê-se fecundado pela Palavra (no singular e com letra maiúscula), que dispensa as palavras (com letra minúscula e no plural). Paradoxo inexplicável: o silêncio rompe com a falta de comunicação, com recusa obstina de abrir-me aos outros e ao Outro. Torna-se ele mesmo via de comunicação. Mais autêntica, mais profunda, da alma com o infinito.
A tagarelice, a curiosidade e a ânsia de modismos dão lugar a uma paz indescritível. O mistério preenche todas as lacunas do coração e da alma, revestindo o ambiente de nova vida. É como se ao despir-me de tudo, não me faltasse mais nada. Estranha matemática: quando me desfaço daquilo que eu achava ser a minha felicidade, só então é que experimento sintomas de uma alegria serena e profunda, de uma paz que palavra alguma pode traduzir. Há um tudo incomensurável que preenche o vazio e as lacunas da alma sedenta e irrequieta.
Sim, Deus visita minha casa. Um instante apenas, não mais que uma fração de segundo. Mas sua passagem ficará gravada para a eternidade em caracteres de um fogo que não se apaga. Vendaval nenhum poderá varrer suas pegadas invisíveis e indeléveis. Um encontro/reencontro há muito ansiado, mas sempre protelado. Com efeito, “aonde iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).
*Pe. Alfredo J. Gonçalves é assessor das Pastorais Sociais