Inaugurado em 1931, o Cristo Redentor é o monumento mais famoso da cidade, cartão postal do Brasil. Depois de cerca de cinco anos de obras, esta enorme estátua, que recebe por dia inúmeros turistas e peregrinos, tornou-se a imagem reveladora da identidade de nosso povo, marca registrada do Rio.
Vivemos um momento em que os símbolos cristãos vão sendo progressivamente tragados pela onda de modernidade e técnica secularizada que os destrói para transformá-los em espigões de mau gosto; ou que os oculta em benefício do lucro e do concreto armado. Aqui e agora exatamente é digno e justo celebrar um dos poucos direitos que restaram ao carioca que assiste desolado à progressiva destruição de sua cidade pela violência e pelo tráfico: extasiar-se a cada dia na contemplação dessa estátua, que é o símbolo do Rio e que desde o alto de sua posição privilegiada contempla e abençoa a cidade.
Tão forte é o poder de atração do Cristo Redentor que sua beleza foi celebrada por crentes e não crentes, em escritos, música, pinturas, esculturas. E também charges, tiras humorísticas, desenhos, cartoons, cinema. Enfim todas ou quase todas as formas que o espírito humano encontra para expressar a beleza, a riqueza da forma, a inspiração que se faz tempo e espaço e assim se imortaliza já voltaram seus olhos para o Cristo Redentor, a fim de retratá-lo, e sobre ele provocar reflexão.
Aqueles que, como eu, nesta cidade cada dia mais desumanizada por um crescimento urbano desordenado, ainda conseguem ver da janela de seu local de trabalho a figura do Redentor sabem o privilégio que têm e como isso é importante em suas vidas, nas pausas de um ritmo de trabalho às vezes frenético e desintegrador. Olhar para o Cristo conforta os olhos, a mente e o coração.
É impossível chegar de avião, de volta de uma viagem – longa ou curta, não importa – sem sentir ressoar nos ouvidos o famoso e belo “Samba do avião”, do maestro Antonio Carlos Jobim: “Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara”... E quando, de minha janela, olho o Cristo e sinto-me revigorada para continuar a luta cotidiana, tampouco posso deixar de recordar-me de outra canção do Maestro maior da MPB: “... da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!” E sinto que quero a vida sempre assim.
Daqui não desejo sair, cidade querida que me viu nascer e sempre amei. Apesar da triste insegurança que hoje reina em tuas ruas; apesar da violência; apesar do caos urbano e do trânsito engarrafado; apesar do calor inclemente que nos massacra nove meses ao ano. Olho para o Cristo Redentor e parece-me que ouço saindo de seus lábios a passagem do evangelho de Lucas que Jesus pronuncia dolorosamente sobre Jerusalém: “Ah se tu soubesses nesse dia o que te pode trazer a paz...”.
E sinto que enquanto o Redentor estiver de braços abertos sobre a Guanabara, haverá redenção, haverá futuro para o Rio de Janeiro, cartão de visita do país, muitas vezes abandonada pelos governantes, mas certamente não esquecida por Deus.
*Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio