Devido a uma série de fatores históricos, a individualidade é uma característica acentuada no mundo moderno. Assim como o sucesso, a fama e o bem estar econômico. Entretanto, o sentimento de insatisfação no Brasil não é, necessariamente, um anseio contrário a tais protótipos modernos.
Estamos passando por um momento de incógnita no Brasil com o aumento da inflação, o aumento das moedas estrangeiras (o que ilustra a queda do real), e a perda do poder aquisitivo. O governo atual tem dificuldade em resolver tais questões, tentando sempre como solução que os indivíduos movimentem o sistema financeiro, por exemplo, ao dar linhas de créditos (a mais recente para eletrodomésticos). Entretanto, temos visto que apenas dar crédito aos indivíduos não está resolvendo.
Com o receio causado no exterior pelos movimentos sociais, a tendência é que os investidores estrangeiros parem de se voltar para o país. Infelizmente, a economia brasileira depende desses investidores. Não se sabe o tamanho do impacto que podemos ter em médio e longo prazo.
Alguns personagens dos movimentos aproveitam o momento para proporem um abandono ao sistema capitalista. Apesar das crises do capitalismo que vêm ocorrendo com mais frequência desde 1997, depois de um período de bonança mundial na segunda metade do século XX, o capitalismo tem se mostrado um sistema que se adapta à situação. A crítica ao capitalismo está em sua capacidade de produzir desejos e mais desejos para proporcionar um consumo desenfreado. Mas a força do capitalismo está justamente em lidar com o “desejo”, que pode ser entendido como o grande motor humano.
Isso não significa que dentro do sistema capitalista não possam ser incutidos sentimentos de coletividade, através da educação e da cultura. Aspectos egoístas são acentuados no capitalismo, mas viver em sociedade implica em pensar de maneira coletiva, mesmo que um indivíduo não dê a mínima para o outro. É um pensamento utilitarista (do qual não compactuo), mas que pode servir de parâmetro para se viver bem em sociedade. Por exemplo, serviços básicos do governo se bem prestados, podem reduzir (não acabar) os índices de violência. Assim, os indivíduos “torcem” para que os outros tenham esses serviços.
O próprio sistema pode se adequar aos anseios da população, desde que esses tenham uma efetiva ação. Teóricos como Jürgen Habermas e Noberto Bobbio falam sobre essa possibilidade da participação dos indivíduos no sistema democrático. O primeiro fala dos indivíduos ou como sujeitos de direito (aqueles que participam ativamente do processo democrático), ou como objetos de direito (aqueles que estão inseridos no sistema democrático sem, efetivamente, participarem do processo). O segundo pensador fala a mesma coisa com uma linguagem diferente: existem dois sujeitos na democracia, a saber, um sujeito politicamente ativo e um sujeito politicamente passivo.
Talvez todos os manifestantes sejam sujeitos querendo ser ativos na democracia. Como vivemos em uma democracia representativa, é necessário que as propostas de mudanças cheguem a nossos representantes, ou que se mudem esses representantes. Devemos apenas ter o cuidado ao explorar esse “sentimento de coletividade”, já que pode servir de manobra para várias atrocidades, como ilustra os regimes fascistas e ditatoriais no século XX.
*Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais