Cair na real é das coisas mais difíceis que há.
Todos se apegam até o último instante, o último centavo, a última gota de saúde, na defesa de suas convicções - de suas ilusões.
Depois que estabelece seu ninho, a sua zona de conforto, cercado por suas verdades, construídas todas articulada e estrategicamente para doer menos - e cada vez menos -, o indivíduo se recosta no seu sofá imaginário e dali não sai.
Pode a realidade atravessar-lhe as vísceras, sangrar e sangrar, até o óbito - mental, no mais das vezes -, que não arreda pé do conforto edificado uma vida toda, para evitar o doloroso encontro ou reencontro, com as suas reais verdades - soterradas por camadas e camadas de mágoa - no mais das vezes.
É impossível viver em sociedade sem se magoar, sem nutrir rancor; existem pessoas - e em número cada vez maior - que extrapolam, passam, em muito, o limite da mesquinhez, da maldade, mesmo - daí que conviver torna-se, a cada dia, um ofício de ator, e para muito bons atores, com estômagos e fígados em ótimas condições, do contrário, o indivíduo sai de cena, de uma forma ou de outra.
No teatro cruel em que vai se transformando a vida, com cenas cada vez mais e mais violentas - e violência subliminar, quase imperceptível - a que mais fere e aterroriza -, muitos entranham-se cada vez mais em seus ninhos, e cada qual vê, assim, acirrada a luta, não para se impor exatamente, mas para não se sujeitar - afinal aprendeu-se, em priscas eras, talvez, que dignidade é valor máximo.
E estamos só no início de uma era que já se mostra avassaladora aos costumes, ao modo de viver e ver a vida - estamos em trânsito, e, parece mesmo, em transe.
O caso é que, entorpecidos ou não, a vida segue.
Conosco, ou sem, a vida segue - e seguirá, ainda, por um razoável tempo, ao que parece.
E, atingidos por forças e petardos cruéis, dia a dia, a força mesma do indivíduo abala-se com triste facilidade.
São de fato, muitos demônios para poucos anjos - e não vamos aqui discutir suas origens.
O que se deve fazer, sem sombra de dúvida, é procurar bons gastroenterologistas e hepatologistas.
Vamos todos precisar de muita, mas muita saúde mesmo, nos próximos anos.