José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente universitário, palestrante e conferencista.
Esta expressão latina é plena de significado. Mostra que o humor é uma ferramenta útil para falar as verdades que a franqueza não ousaria. Algo assim como o papel reservado aos “bobos da Corte”, que podiam abusar sem receio de punição, tudo justificável ante sua presumida inimputabilidade.
O Brasil criou uma tradição interessante nas “charges” que percorrem itinerários vedados à crítica escrita. Quem se detiver a consultar um retrospecto da produção dos chargistas no decorrer dos anos terá uma reconstituição bem interessante da História Pátria. A criatividade de nossos quadrinistas, caricaturistas ou chargistas é formidável.
Muitas vezes me servi das charges para propor exercícios de aferição do aproveitamento do alunado em aulas de Ética ou de Filosofia do Direito. Com resultados bem instigantes. O meu preferido sempre foi Angeli, que militou durante muitos anos na Folha de São Paulo.
Mas recentemente encontrei seis quadrinhos elaborados por Ricardo Coimbra, na penúltima página da “Ilustrada” de 11.6.2018, que é um excelente testemunho dos dias que nos foram reservados nesta triste temporada.
Sob o título “Gentrificação de Precariedade”, o primeiro quadrinho estampa uma pobre mulher acendendo o fogão à lenha, com seus filhinhos hipossuficientes, enquanto a jornalista noticia: “E, com a alta do gás, o povo redescobre o charme vintage de cozinhar com lenha”. No segundo quadrinho, o repórter fala ao microfone: “Sem gasolina e a pé, paulistano passa a fazer turismo no próprio bairro”. A figura é de um irritado trabalhador de terno e gravata caminhando com sua pasta 007.
Na terceira charge, o apresentador diz: “Com o desemprego, cresce cada vez mais o número de empreendedores!”. E o trabalhador informal consulta: “Vai graxa aí, moço?”. Na quarta, o âncora de TV anuncia: “Com a modernização da CLT, surge uma nova modalidade de emprego: o home office presencial”. O funcionário, na repartição, pergunta: “Tenho que trazer meu próprio computador pro escritório?”.
O quinto desenho é o de uma coletividade difusa de pessoas se espremendo em reduzido espaço, sob o anúncio da entrevistadora: “Com o orçamento apertado, brasileiros adotam o “co-living”, enquanto é corrigido por um morador: “É república que chama, moça!”. Finalmente, diante de um mendigo com a mão estendida em busca de esmola, a sexta charge, sob a vista impassível do homem de TV: “De olho na boa forma, cada vez mais o brasileiro adere à dieta low carb”!
É um eloquente testemunho do que a passiva, resignada e sofrida população brasileira atravessa nestes tempos de consolidada descrença na representação político-partidária e do desaparecimento da esperança em dias melhores.