Parece uma falácia afirmar-se que é possível enriquecer sem roubar. O brasileiro tem razão ao duvidar do asserto. A incestuosa promiscuidade entre política e riqueza privou de bons exemplos várias gerações. Isso explica porque o jovem não quer votar. Somando-se o número de indecisos e o dos que vão votar em branco ou anular o voto, chega-se a quem ocuparia os postos de relevo na Administração Pública brasileira: ninguém.
Mas é preciso reverter esse quadro de desalento. A pobreza não é uma fatalidade. O pobre não deve resignar-se a se tornar escravo do assistencialismo e a depender da caridade. Há iniciativas que surgem para redimi-lo. Como a levada a cabo por Muhammad Yunus, o inventor do microcrédito, fundador do Grameen Bank e que ficou conhecido como o banqueiro dos pobres.
A par de seu efetivo trabalho nessa nova concepção de instituição bancária, ele divulga o “Enriquecer com honra”, republicação do livro de Benedetto Cotrugli, cujo título inicial era “O libro da arte da mercancia” (ou do comércio).
Cotrugli foi um mercador do Renascimento, atividade que exerceu mais por dever do que por prazer. A morte do pai em 1438 o obriga a abandonar os estudos e a assumir a empresa da família. É a era mágica em que a Itália presenteia o mundo com o Renascimento. Cotrugli, originário de Ragusa, atual Dubrovnik, ao tempo considerada a quinta República marinha italiana, passa a atuar em Nápoles. Aqui, o ambiente não era exatamente ético ou moralmente irrepreensível.
Sua empresa comprava lã em Barcelona, a convertia em tecido em Firenze e Prato, para revende-lo em Constantinopla e Veneza. Cotrugli viaja e frequenta essas cidades que são o coração daquele período áureo.
Em Firenze, a riqueza produzira gênios como Donatello, Masaccio e Bruneleschi. Nesse clima escreveu o seu tratado ético, inspirado nas obras de Leon Battista Alberti. Termina o seu livro vinte anos depois de assumir o comando da grande empresa familiar. Mas só foi publicado cem anos depois e foram necessários outros cento e cinquenta para ser redescoberto, graças à obra meritória da Universitá Ca’Foscari de Veneza. Um professor o fez conhecer a um dos maiores pensadores viventes, Niall Ferguson e, a partir daí, o livro ganhou repercussão. O próprio Ferguson fez o prefácio da tradução inglesa, agora sob o título “The Book of Trade” e o compara ao livro de Donald Trup, “The Art of the Deal” (A arte da aliança). O livro de Trump talvez tenha sido o manual de negócios mais vendido em todo o planeta, como potencial capacidade de influência. Mas o livro de Cotrugli é melhor. Ou mais ético. Dentre os conselhos para enriquecer com honra, adquire relevância o de se evitar a política, um dos principais riscos para quem quer ser empreendedor sério.
Depois de ler o livro de Cotrugli, as pessoas bem intencionadas concluem ser possível ter sucesso no capitalismo e continuar honesto. Um empreendedor de nosso tempo, como Brunello Cucinelli, no prefácio da edição de divulgação, diz ter experimentado uma emoção profunda ao descobrir Cotrugli e não só pela modernidade e acuidade empreendedorística. Mas, sobretudo, pelo sistema de valores que fixa e comprova ser possível preservar, mesmo obtendo êxito na iniciativa negocial.
Para que se tenha condições de acreditar no amanhã desta Pátria, é preciso confiar que ainda haja quem queira vencer na vida sem lesar o próximo e sem cometer o crime de se apropriar do sacrificado dinheiro de uma população cada vez mais miserável. A missão de enriquecer com honra é conciliar o desenvolvimento e o trabalho constante, sob o lema de Cícero: não perturbar-se com a adversidade, nem esquecendo dos princípios na prosperidade.
Você deve conhecer alguém que siga esse princípio. Só que o Brasil precisa de muitos desses abnegados. Não é possível esquecer que a corrupção é dupla face: o corrupto e o corruptor. Sem este, aquele não existiria. Daí a urgência de bons propósitos e tolerância zero com a desonestidade em todos os espaços, inclusive naqueles sob o domínio da iniciativa privada.