Tenho apenas sete anos de idade e não sei quem sou. Não entendo porque fui abandonado pelos meus pais e minha família. Ainda bem que um senhor de paletó e gravata me disse que eu teria de morar com outras crianças. Também sem família e que sentem a mesma solidão que eu. Aguardar um lar que não sei o que é. Será que a demora é grande para isso acontecer? Encontrar alguém, uma família estranha que tenha um doce coração para me aceitar? Meu Deus, por que me abandonastes? O senhor de terno azul que eu ouvi alguém chamá-lo de Juiz mandou-me para cá e outras pessoas me trouxeram dentro de um carro que eu nunca havia entrado. Ainda bem, eu estava na rua comendo coisas que encontrava no lixo das casas. Eu gostaria de ter uma explicação porque eu não tive a mesma sorte de nascer num lar decente.
Ter pai, mãe, irmãos e uma casa para morar. Eu queria ir à escola como tantas crianças vão e aprendem muito. Eu queria ter uma camisa branca e uma calça bonita para ir numa Igreja e receber das mãos daquele homem de saia comprida um pedaço de pão que eles chamam de vida. Será que essa “vida” que tanto falam não mudaria o meu destino? Tudo muito estranho aqui nesta casa cheia de quartos, com quatro camas em cada um, sem forro, e uma sala onde a gente come com outras crianças o que os adultos daqui trazem todos os dias. Será que este é o mundo que eu teria que enfrentar? Até agora eu não sei ler e nem escrever. Minhas roupas são poucas duas camisas e duas calças, um moletom encardido e mal cheiroso. Meu Deus, por que me escolhestes para ser uma criança em completo abandono? Não deve ser culpa Sua, com certeza dos homens. Será que um dia vou poder chamar alguém de papai e mamãe? Será que vou poder ter um berço para descansar e um cobertor para me abrigar do frio?
Ou será que vou ter que amargar tristes horas em ruas escuras procurando um lugar onde eu possa esconder da chuva, do vento e dos próprios homens? Eu não sei o que será de mim. Eu não consigo imaginar que adulto eu vou ser para poder tirar das ruas as crianças assim como eu. É muito sofrimento. Você não imagina o que é ser uma pessoa sem identidade de gente. Sem nenhum espaço e sem nenhum direito. Por que fizeram isso comigo? Que dia triste, que noite escura, uma migalha de pão eu comi. Vejo em meus olhos a ira e a loucura, um triste destino que nunca eu vi. Não façam isso com esta criança, sou pequeno e sem nenhuma esperança. Nunca eu tive amor e muito menos defesa, quando adoeço a dor é terrível, quando amanheço não vejo a beleza. Criança abandonada, ninguém me procura, não tenho mais chão. Um dia serei estorvo perdido e sem cura, que eu não me torne indigente, em ruas escuras de arma na mão.