A gente costuma praticar ‘assassinatos’ a vida toda. Lógico que é no sentido figurado. Ora matamos coisas inúteis, ora matamos coisas significantes. Recordo-me que aos cinco anos de idade ouvi pela primeira vez que meus pais me colocariam na escola. Fiquei bravo com todo mundo que estava em volta da mesa. Lembro-me como se fosse hoje. O irmão mais velho sabia da minha aversão pela escola, assim que ouviu de minha mãe essa determinação, não perdeu tempo, ratificou a intenção na mesma hora porque sabia que me irritaria. Quem tem irmão sabe perfeitamente do que estou falando. Mas confesso que naquele dia ‘matei’ mais minha mãe do que todos os outros que estavam presentes.
Partiu dela a ideia, a brilhante ideia. Quando começaram as aulas veio com elas o meu martírio. Por muitos meses fui para a escola apanhando, mas apanhava mesmo. ‘Matava’ minha mãe de desgosto todos os dias. Quando passei dos doze anos eu não queria que ela fosse comigo a nenhum lugar. Aniversários, nem pensar. Para que uma mãe precisa acompanhar os filhos em festinhas desse tipo? Eu achava que estava certo pensando dessa forma. Talvez fosse por vergonha minha por ela ser simples. Ainda eu não sabia aferir o quanto é valioso ser simples e nem imaginava o tesouro que é a simplicidade. Uma pessoa simples vale eternamente mais que uma simples pessoa. Um belo dia minha mãe aparece para me defender de alguns inimigos, aqueles que querem te bater ao sair da aula, ao sair do cinema... Naquele momento percebi o quanto as mães amam seus filhos. Entendi também porque os animais não abandonam suas crias em quaisquer circunstâncias, mais ainda quando o perigo é iminente. Minha mãe sempre esteve preocupada com a minha vida, eu a via imaginando sempre para que meus dias fossem melhores, embora me impusesse regras e limites de horários noturnos de retorno da rua. Queria saber com quem eu estava e onde estava. Eu não conseguia viver a plenitude dos voos da juventude porque os rastros dos meus pés tinham sempre os rastros dela por cima. Vasculhava minhas coisas e junto disso meu comportamento. Escolhia amigos bons e verdadeiros e afastava os que ela entendia ser perniciosos. Quando comecei com os namoricos, meu Deus, não queria que ela aproximasse disso porque achava que estaria pronta a declinar meus defeitos e minhas artes. Confesso que sua presença me incomodava todos os dias nessa época.
Que ingrato eu era. Não queria ela por perto porque não achava justo dividir com ela esses momentos. Aos poucos fui percebendo que era o esteio da minha vida. Aos 27 anos eu agradeci a Deus por me fazer enxergar o ser humano que era minha mãe. Prometi a mim mesmo que retribuiria tudo o que ela havia feito por mim porque sabia da intensidade de seu amor pelo filho. Fiquei transtornado quando percebi que eu a havia recusado dezenas de vezes e me sentia incapaz de perdoar-me por todo esse tempo. Mas fiquei muito surpreso e triste quando soube que a verdadeira distância não era por mim desejada, mas pelo câncer amaldiçoado que implacavelmente a veio buscar. Não me pediu licença e nem me deu ouvidos. Levou minha mãe para sempre. Ainda hoje não consigo conviver com essa ausência, mas suas lições foram essenciais para que eu aprendesse como criar e tratar os seus netos.