“Nós vivemos um fim de civilização. Ouvem-se os rumores sísmicos. Estalam as cordilheiras das instituições. E o homem geme de cansaço. Ah! Se pudesse fugir de si mesmo! Se pudesse tomar três séculos de licença!”.
Esta frase foi escrita por Gustavo Corção em 1952, para o livro “As Fronteiras da Técnica”. Obra que continua atual, até porque a humanidade hoje está à mercê da todo-poderosa tecnologia, imposta pelo mercado, ávido por usufruir da mais valia propiciada pelos avanços da 4ª Revolução Industrial.
O mesmo diagnóstico vale hoje: “Esse cansaço de que padece a nossa civilização é essencialmente um cansaço moral”. Ele é detectável por dois sinais: o primeiro é a deliquescência dos caracteres e o relaxamento dos costumes. “É o imoralismo anárquico, empírico, sem regras”. Já o segundo é ainda mais sério: “está nos sistemas, nas filosofias, nas mensagens. É o amoralismo de novas regras”.
O “é proibido proibir” de 1968 conduziu a civilização a um absoluto descontrole. Tudo é permitido, a partir da perda de polidez, de bons modos, de educação de berço. Da putrefação da moral, o homem foge para a ciência e para a técnica. “O tecnicismo é uma evasão. Cansado da realidade moral, fatigado de sua própria condição, enjoado da liberdade, o homem procura uma escapatória, como se quisesse tomar férias da sua própria humanidade. E tenta então inscrever seus atos numa nova pauta, além ou aquém do bem e do mal, sob a clave da poesia que prometa uma superação ou de uma técnica que assegure uma confortável desumanização”.
Só que não se sente bem. Permanece o desconforto, o mal-estar inexplicável. É porque “a vida, isto é, a vida moral, não tem interrupção. A prudência é uma virtude sem férias e sem aposentadoria. Há muita gente que sonha para os dias da velhice um descanso moral ao lado do descanso físico. Arrumam a vida, fazem economias, casam os filhos. Mas quando vão meter os pés cansados nos chinelos da felicidade, acontecem-lhe coisas como Deus permitiu que a Jó acontecessem. Os cálculos saem errados, erradíssimos, e um aumento de carga nos ombros chega justamente nos dias de fraqueza das pernas. E o duro chicote do Tempo não cessa de nos perseguir!”.
O momento presente nos coloca na situação de perplexidade em relação a quase tudo. Foi com isso que sonhamos? Somos livres para continuar a escolher e a optar por várias veredas. Mas o abismo da liberdade pode também nos apavorar.
“Não se desespere. Tudo passa, só Deus não passa!”, aconselhava Teresa D’Ávila. Ou a nós foi dado participar dos sinais do Apocalipse?