Caminhoneiro Fábio Júnior Prates Rosa, de 40 anos, foi preso no Sábado de Aleluia, após ter os dados pessoais utilizados por um criminoso
Após três noites de sofrimento, o reencontro com a esposa Keila, na porta do CDP, foi marcado por muito choro e revolta (Foto: Reprodução/Diário da Região)
“A minha maior humilhação foi ter sido preso na frente dos meus filhos. Nunca paguei nem conta atrasada. Não imaginei que um dia fosse passar por isso”. O desabafo é do caminhoneiro Fábio Júnior Prates Rosa, de 40 anos, que foi preso injustamente em pleno Sábado de Aleluia, no dia 16, e dormiu três noites na cadeia, após ter os dados pessoais utilizados indevidamente por um criminoso. Sem saber, a vítima foi denunciada pelo Ministério Público pelo crime de roubo e teve a prisão decretada na última semana.
Perto do meio-dia do sábado, Fábio saiu com os três filhos menores para comprar uma marmita no bairro Fraternidade quando foi abordado pela Polícia Militar. O motivo inicial da abordagem é porque o homem transportava a filha de seis anos no colo. Porém, durante averiguação dos documentos pessoais, a equipe constatou que Fábio era considerado foragido.
Levado para a Central de Flagrantes, ele tomou conhecimento de que, no dia 31 de janeiro, um boletim de ocorrência foi registrado no nome dele. No documento, consta que o caminhoneiro teria roubado fios elétricos de um caminhão estacionado dentro de uma empresa de terraplenagem.
A ocorrência parecia familiar para a vítima. Em 2018, o caminhoneiro foi chamado na mesma delegacia para esclarecer um caso suspeito. Um homem em situação de rua, preso pelo crime de furto, tentou se passar por ele e o delegado de plantão desconfiou.
“Era um amigo de infância que, por alguma razão, sabia todos os meus dados pessoais. O delegado teve o cuidado de checar as informações e viu que a foto do documento, no sistema da polícia, não parecia ser do preso. Mas não foi o que aconteceu desta vez”, disse.
Por uma triste coincidência, o delegado que registrou o boletim de ocorrência com o nome errado, no começo do ano, foi o mesmo que deu cumprimento ao mandado de prisão contra o inocente.
“Quando eu cheguei no Plantão, ele disse: ‘Fui eu que te prendi, você estava muito louco’. Tentei argumentar, mas fui descredibilizado”, afirma.
No dia seguinte ao cumprimento do mandado, Fábio passou por audiência de custódia no Fórum de Rio Preto. O advogado Yan Lívio Nascimento tentou desfazer o equívoco.
“Apresentei o caso de 2018, que resultou em condenação do morador de rua por falsa identidade. Mostrei fotos do celular da vítima, que comprovam que o Fábio estava em viagem no dia do crime. O promotor e o juiz disseram que estavam convencidos de que falávamos a verdade, mas que não poderiam fazer nada, porque a audiência de custódia só analisa a legalidade da prisão, e não o mérito”, afirmou.
Pedido de revogação
O advogado precisou esperar a segunda-feira (18) para ingressar com pedido de revogação da prisão preventiva.
Em parecer, o promotor Sérgio Acayaba de Toledo admitiu que “há evidências de que Fábio Junior Prates Rosa não é o autor do delito, mas sim pessoa que forneceu a qualificação dele ao ser preso”.
A juíza Luciana Cochito, da 1ª Vara Criminal, revogou a prisão e determinou que o delegado e o escrivão responsável pelo flagrante sejam intimados com urgência. A Justiça quer saber se foi realizado registro fotográfico do preso, no dia do crime, a fim de comparar com a imagem do caminhoneiro.
Fábio foi preso no final de semana mais frio do ano, em Rio Preto. Ele teve a barba e os cabelos raspados no processo de triagem do CDP (Centro de Detenção Provisória).
Após três noites de sofrimento, o reencontro com a esposa Keila, na porta do CDP, foi marcado por muito choro e revolta.
“Esta é só uma etapa vencida desse pesadelo. Como caminhoneiro autônomo, meus dados são verificados pelas transportadoras, por conta do seguro. Com este processo criminal dificilmente conseguirei frete”, previu.
A família vai ingressar com ação de indenização contra o Estado.
Burocracia 'fala mais alto'
Questionado sobre a falha no registro do boletim de ocorrência, o delegado seccional de Rio Preto, Silas José dos Santos, informou que a legislação estabelece que o delegado não pode identificar quem já está identificado, sob risco de configurar abuso de autoridade. “Salvo nas situações em que o indivíduo não porta documentos pessoais, aí a verificação nos sistemas da Secretaria de Segurança Pública é praxe”.
Sobre a coleta de impressões digitais, que não foi realizada no flagrante, o seccional disse que o procedimento é obrigatório apenas em crimes praticados por organizações criminosas.
Um delegado ouvido na condição de anonimato disse que é comum criminosos tentarem se passar por outra pessoa na delegacia. “Principalmente morador de rua. A gente não pode confiar na qualificação que eles fornecem, é preciso ter cautela e usar as ferramentas disponíveis para conferir os dados pessoais. Na falta de documento, o sistema Lead (Legitimação a Distância) faz a checagem das impressões digitais.
*Com informações do jornal Diário da Região