Desde o registro do primeiro caso de coronavírus na região de Rio Preto, já são 134 mortes, o que representa uma média de 1,4 por dia em três meses. Somente em Rio Preto são 36 óbitos e 1.239 infectados
Osmar Honório da Silva, 81 anos, foi a segunda vítima em Votuporanga. (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/Diário da Região)
Kelly Cristina Lemes da Silva Lima, 50 anos, sonhava em morar na praia e conhecer Salvador - essa era uma das grandes ambições. Como qualquer um, tinha aquelas pequeninas, do dia a dia. Tinha acabado de reformar a cozinha, queria dar cara nova ao banheiro da casa que dividia com o marido no Parque da Cidadania, em Rio Preto, e colocar uma banheira de hidromassagem. Dançarina de mão cheia, ganhou um concurso de lambada, era alegre e prestativa e resolvia todos os problemas dos pacientes da clínica onde trabalhava como secretária. Toda essa trajetória foi interrompida pelo coronavírus, com sua morte no fim de maio.
Kelly é uma das 134 pessoas que morreram desde o começo da pandemia na região, que teve início em 12 de março, com o primeiro caso confirmado em Rio Preto. A média é de 1,4 vítima por dia que deixa sonhos, planos, filhos, familiares, amigos, risadas. Vazios que não vão ser preenchidos. Nesta semana, o Brasil ultrapassou Reino Unido e Estados Unidos, que continuam com o maior número absoluto de vítimas da doença, se tornando o País com a maior média diária de mortes.
Natural de Votuporanga, Kelly começou a passar mal em uma segunda-feira, dia 25 de maio. Passou por uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), colheu o teste de Covid-19 e foi para casa, onde começou a ser medicada. Chegou a ir trabalhar, mas na quarta-feira piorou novamente. A médica para quem trabalhava, uma infectologista, fechou a clínica. Kelly, que tinha hipertensão e problemas na tireoide, foi de novo para UPA, de onde foi encaminhada para o HB. Já foi entubada. Três paradas cardíacas depois, no dia 29 de maio, ela morreu.
"Foi muito rápido. Foi um susto porque ela era nosso alicerce, era minha irmã mais velha, ela que me criou desde os 11 anos, desde que minha mãe faleceu. Estou sem chão, meu cunhado falou que a vida dele acabou, tudo que eles sonhavam, ele está desgostoso da vida. Foi um susto porque foi muito de repente", lamenta a irmã de Kelly, Iara Cristina Peres, confeiteira de 39 anos.
Ela conta que pacientes com quem a irmã convivia entraram em contato com a família. "Ela era uma pessoa solidária, marcava exames e consultas, ia atrás de medicação, era muito querida por todo mundo. Muito alegre, nunca deixou a gente de baixo astral. Fica um vazio." Kelly foi cremada e suas cinzas serão jogadas no mar de Santos, cidade que ela amava.
Amigo dos amigos
Já Osmar Honório da Silva, de 81 anos, adorava reunir a família para comemorar o aniversário. Em março foi a última vez que ele conseguiu se encontrar com os quatro filhos para dar risada. Com a pandemia do coronavírus, tudo mudou na rotina de Osmar. Os passeios de bicicleta pelas ruas de Votuporanga foram interrompidos e a vontade de voltar a reunir a família ficou só no sonho.
O único passeio dele em abril era da sala para o quarto. Em algumas ocasiões, para ouvir os cantos dos pássaros, ele até chegava a sair no portão, mas de lá não passava. O senhor Osmar cumpria o pedido da filha de se cuidar, evitando sair pelas ruas para não contrair a doença que naquela época tinha matado menos de 10 pessoas na região.
No começo de maio, quando o coronavírus começava a fazer as primeiras vítimas em Votuporanga, ele já estava recluso em casa, mas começou a apresentar os primeiros sintomas de Covid-19. Ninguém sabe até hoje de onde ele contraiu a doença. Com seu estado de saúde se agravando, devido a pressão alta, Osmar precisou ser socorrido pela filha para ser levado a um hospital da cidade. Ele deixou um até logo para esposa, que também faz parte do grupo de risco, prometendo a ela voltar, mas não conseguiu.
A Covid-19 venceu a batalha e Osmar morreu no dia 16 de maio em Votuporanga, tornando-se a segunda vítima da cidade. Sua esposa chegou a testar positivo para a doença, mas conseguiu vencer a batalha.
Quem acompanhou de perto a luta do pai pela vida foi a técnica em enfermagem Marcia Cristina da Silva Foresto. A filha do ex-caminhoneiro, que já estava aposentado, conta que só quer lembrar dos momentos de felicidade. "Meu pai era uma pessoa humilde, muito humilde, tudo que fazia para ele era bom. Era uma pessoa amiga de todo mundo, tinha amizade com qualquer um que passava na rua", lembra a filha.
Passado quase um mês da morte do pai, Marcia, como técnica em enfermagem, não parou de trabalhar, está na linha de frente para combater o vírus. Diariamente tem visto o crescimento do número de casos de coronavírus nas unidades de saúde de Votuporanga. "Percebemos que estamos tendo cada vez mais pessoas com sintomas, ainda mais que é uma doença nova. Tem pessoa que chega na unidade que acha que é gripe e testa positivo. Isso é preocupante", afirma.
Mesmo que tenha perdido o pai para o vírus que ela ajuda combater, Marcia não desanima. "É muito triste, inclusive por não poder ter um velório como antes. Mas nunca nos esqueceremos dele".
Rio Preto tem 110 casos num dia
Nesta sexta-feira, 12, Rio Preto confirmou mais 110 casos de coronavírus, atingindo 1.239 ocorrências positivas. Esse foi um novo recorde diário, após o da quinta-feira, quando haviam sido confirmados 87 casos.
Nesses dois dias, foram contabilizadas mais cinco mortes, chegando a 36. As vítimas são três homens, de 49, 57 e 71 anos, e duas mulheres de 58 e de 84 anos. Quatro dessas pessoas tinham comorbidades, doenças que podem ter sido agravadas por coronavírus.
"Eu acho que a tendência é aumentar, estou muito preocupado. No comércio não adianta, a gente não consegue segurar as pessoas. Isso [o aumento dos casos] já é o reflexo da abertura", afirma o secretário de Saúde, Aldenis Borim.
De acordo com os dados do governo do Estado, a taxa de isolamento em Rio Preto ficou em 42% na quarta-feira, dia 10, e em 45% na quinta-feira, dia 11, no feriado de Corpus Christi.
Borim pontua que a Saúde já esperava um aumento no número de casos, mas ressalta a importância de as pessoas ficarem em casa e só saírem se necessário. "Nessas condições vai voltar para o vermelho, é um grande risco regredir e ter que fechar de novo o comércio", diz o médico.
Embora a maioria dos pacientes de coronavírus evolua bem, o médico diz que no mundo em média 20% deles precisam de hospitalização. Do total, 5% deles evoluem com gravidade e precisam ir para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para receber cuidados especializados. Como esses pacientes ficam em média duas semanas ocupando essas vagas, em poucos dias é possível que elas se esgotem, devido à progressão da doença entre a população.
Como foram liberados mais alguns leitos de UTI, a porcentagem de ocupados caiu de 50% para cerca de 30%, mas o secretário se diz preocupado com a falta de medicamentos para entubação. Segundo ele, até existem outras substâncias que podem ser utilizadas, mas não com o mesmo efeito. "As pessoas não entendiam quando a gente pedia para parar as cirurgias eletivas. Era por essa situação que estamos enfrentando agora. Uma hora ia explodir. Esse é um tipo de colapso do sistema de saúde. O sistema pode colapsar por falta de leito, medicação, mão de obra." (MG)
*Diário da Região/Millena Grigoleti/Rone Carvalho