Os representantes do Iara querem também capacitação docente para questões raciais
A audiência de conciliação proposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux para decidir se libera o uso do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, na rede pública de ensino terminou nesta terça-feira sem acordo. Com a participação de representantes do Ministério da Educação, da Advocacia Geral da União e do Ministério Público Federal, a audiência, que durou cerca de três horas, foi convocada depois do Supremo receber mandado de segurança impetrado pelo Instituto de Advocacia Racial (Iara) e pelo técnico em gestão educacional Antônio Gomes Neto. A alegação é que a obra possui elementos racistas.
Embora juridicamente o assunto não tenha se resolvido, o Iara sinalizou que pode desistir do pedido de nulidade de um parecer do Ministério da Educação que revoga a proibição do livro na rede pública de ensino. Em 2010, depois de denúncia da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou que a obra fosse banida das escolas. A repercussão do infeliz episódio fez com que o Ministério da Educação (MEC) pedisse ao CNE para reconsiderar a questão. O veto, então, foi anulado. O mandado de segurança pretende agora derrubar a anulação do parecer.
O instituto afirma que “não há como se alegar liberdade de expressão em relação ao tema quando da leitura se faz referências ao negro com estereótipos fortemente carregados de elementos racistas”. Diz ainda que o livro é utilizado como “paradigma” e, por isso, as regras adotadas para ele devem nortear a aquisição também, pela rede pública, de qualquer obra literária ou didática que tenha “qualquer forma de expressão de racismo cultural, institucional e individual”.
Publicado em 1933, o livro faz parte do acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). "Vou fazer 60 anos. Já fui criança. Estudei no Colégio Pedro II, fiz primário e maternal. Me lembro desse e de todos os livros", afirmou o ministro Fux.
Uma nova reunião será realizada no próximo dia 25 no Ministério da Educação para discutir a adoção medidas concretas. O Iara condiciona a retirada do mandado de segurança à implantação de medidas como a capacitação de professores e a veiculação de uma nota técnica com o livro que explique o contexto das expressões contestadas pelo instituto.
A ideia de incluira a explicação, segundo Humberto Adami, diretor e advogado do Iara, é apelar para o mesmo procedimento adotado em relação a crimes ambientais na obra de Lobato. Segundo ele, editoras embutiram no mesmo livro nota que explica que caçar onças, embora costume da época em que o livro foi escrito, hoje em dia não se faz. "Por que se faz na questão de crimes ambientais e não se faz em relação ao negro? Por que a onça é mais importante do que o negro que sofre com esse tipo de assunto na escola?", questionou.
Os representantes do Iara querem também capacitação docente para questões raciais em sala de aula. Negam censura. "Não quer dizer que [as obras] sejam tiradas, é ter alguém dizendo é errado fazer isso, não pode fazer isso com colega, isso vai ferir outra pessoa. É o que se pretende. Até pouco tempo as pessoas achavam que podiam brincar à vontade com respeito e dignidade de outros seres humanos."