*Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
Crises encurraladas como a brasileira de hoje nos fazem voltar ao homem primitivo; aos filhos de Deus, homens profundos e raríssimos, aos alquimistas, aos escribas que produziram literatura admirada pelos contemporâneos. Passear com rapidez - num artigo é impossível ver a história “in extenso”.
De Rousseau, de Hobbes, “per saltum” chegamos a Locke, em cujo imaginário de concretude germinou a admirável fórmula dos “três poderes”. O aprofundamento da arquitetura política coube ao Barão de Montesquieu. Três poderes independentes e harmônicos entre si. Um respeita e controla os demais. Assim, não haveria excessos. “Cheksand balances” foi a cunha anglo -saxã.
O número três voltou à essência do mundo. Ímpar, um número masculino. Os pares são femininos. Três reis magos, trindade, tríade entre os pagãos, tríplice aliança, três elementos da dialética de Hegel (tese, antítese e síntese), e assim por diante.
Nossa dramática crise escancara que o três é um mantra de pedra superado. Falta um, o quarto, a quaternidade da alquimia, no ajuste entre a governança e o povo. Ocorre que o três sempre reluziu, ao passo em que a quaternidade foi encoberta e vaga, como consta do axioma de “Maria Prophetissa”, lembrada por Jung, que merece ligeira transcrição, “expressis litteris”: “Os raros casos por mim observados que produziam o número três eram caracterizados por uma deficiência sistemática no campo da consciência, ou seja, pela inconsciência da “função inferior” (...) O número quatro representa o mínimo dos determinantes de um juízo de totalidade” (“Psicologia e Alquimia”, Vozes, 6a. ed., p. 37).
Só não vê quem não quer a “deficiência sistemática” na política caótica do Brasil. O Legislativo sob insuportável suspeição. O Executivo ainda inconfiável. E o Judiciário, por meio do STF, lançando lenhas na fogueira. Não há solução, não nos enganemos. A esperança é depositada imaginariamente nas próximas eleições. A primeva alquimia era mais realista.
O fato é que não se concretiza a “função inferior”. Essa “função” é o povo, já que impossível a democracia direta, presente tão somente em pequenos cantões suíços. O povo está “encoberto e vago”. Rigorosamente cindido entre opostos, “contra naturam”. Névoas ideológicas amputam o “homem total”. Nada nos garante, nesta quadra, que “lesextrêmes se touchent” (os extremos se atraem). Só visionários ainda crem que, no embate dialético, o Brasil tenha a síntese.
Vivemos em pleno caos. Nesse labirinto, contudo, não há só cegos desesperados.
O quarto poder, a “função inferior”, o povo desbussolado, pode perfeitamente ser protagonista histórico. Basta a institucionalização do Poder Popular, completando-se a quaternidade da harmonia. Sem restrições. Desde os obreiros até os catedráticos. Em sistema de revezamento, por indicações dos estados federados, obedientes às inscrições. Para oferecer ideias e proposituras num período adequado. Para fiscalizar, inclusive o fiscal (legislativo). Com a participação de indicados, em proporção não subordinante, dos demais Poderes. Suas resoluções não seriam absolutamente soberanas. A democracia se corromperia em demagogia (Platão). Tomadas por maioria, passariam pelas demais instituições republicanas, que somente poderiam recusá-las por unanimidade ou maioria. Evidentemente, as insinuações retro são aventureiras e tresloucadas para cientistas políticos e jurisconsultos.
Encontrem, pois, soluções para um povo desencantado, minorias violentas, governos sem credibilidade, e a maioria da “classe política” cujo destino são os presídios, ao rigor da lei. Um clima de 1789 e as guilhotinas. Envolver o povo, institucionalmente, trará a legitimidade que falta. Uma verdadeira democracia para os brasileiros, ao lado do desenvolvimento, da criação de empregos e da liberdade criativa, antípoda do autoritarismo estatal.