A cada 15 minutos, um novo caso de aids é registrado no Brasil. Diariamente, pelo menos 34 pessoas morrem por causa da doença.
É inaceitável que o país, na contramão da tendência mundial, não tenha conseguido diminuir a velocidade de novas infecções e impedir tantas mortes evitáveis.
Em vez de atualizar os pressupostos do combate à aids, governos recentes insistem em “torturar” números para sustentar a tese ilusória de que a epidemia estaria controlada no Brasil.
Não há estratégia clara para levar o tratamento a mais de 260 mil pessoas que sabem que são HIV-positivas, mas ainda não se beneficiam das terapias com antirretrovirais, e a outros milhares de cidadãos também infectados e que nem sequer sabem disso, já que não tiveram acesso ao teste.
Negligenciados, adolescentes e jovens brasileiros nunca estiveram tão vulneráveis. Em dez anos, os casos de aids mais que dobraram na faixa etária de 15 a 24 anos. Campanhas e ações de saúde não alcançam as mudanças geracionais, de comportamento e os novos espaços de sociabilidade, inclusive digitais.
Na esteira de movimentos como o “escola sem partido”, conservadores impõem no ambiente escolar o silêncio sobre sexualidade, noção de risco, gênero e preconceito, temas fundamentais para dialogar sobre aids com jovens.
E o que explica a calamidade de mais de 30% das travestis e transexuais, em estudo no Rio de Janeiro, e mais de 15% dos homens gays, em pesquisa no centro de São Paulo, serem HIV-positivos?
Por que, se comparada à população geral, a frequência da infecção pelo vírus da aids é 15 vezes mais elevada entre usuários de drogas e 12 vezes maior entre mulheres profissionais do sexo?
Não é o fato de pertencer a um grupo ou de viver em determinados contextos que leva alguém a se infectar pelo HIV, mas sim a combinação entre práticas sexuais desprotegidas, ausência de políticas de prevenção, negação de direitos, racismo, sexismo, homofobia, pobreza, violência e sujeição ao duplo estigma da identidade e da condição de saúde.
Mesmo fadado ao desmonte com o ajuste fiscal, o Sistema Único de Saúde (SUS) já dispõe de repertório considerável: campanhas publicitárias, preservativos, testagem rápida para o HIV, diagnóstico e tratamento de sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis, programas de redução de danos, protocolos de uso de medicamentos para quem tem HIV e para soronegativos antes ou depois da exposição ao risco de se infectarem.
Esses recursos, porém, são mal empregados, não chegam ou não fazem sentido para aqueles que mais deveriam se beneficiar com sua utilização. A política moralista não reconhece os mais vulneráveis como cidadãos plenos, sujeitos de suas escolhas, e ainda se alia a legisladores obcecados em retirar ou negar seus direitos.
Sabe-se agora que não existe risco algum de uma pessoa com HIV em tratamento adequado e com carga viral indetectável transmitir o vírus a outra. Ao não assumir explicitamente essa evidência científica, o Brasil demora em remodelar sua política de incentivo ao teste e início do tratamento, deixando de impedir milhares de infecções.
O país desperdiça oportunidades e coleciona retrocessos –por exemplo, deixou de priorizar respostas baseadas no conhecimento de ONGs e das próprias comunidades mais atingidas pela aids. Pioneiro na oferta pública de medicamentos anti-HIV, o Brasil de hoje é o mau exemplo e mostra ao mundo o quanto a decadência da política pode atrasar o tão sonhado fim da aids.