Equipe de transplante de coração do HCM comemora a nona cirurgia da instituição, em Maria Fernanda (Foto: Divulgação/Funfarme)
Se Fernando Henrique Francisco, de 41 anos, pudesse se encontrar com a família que doou o coração que sua filha, Maria Fernanda Francisco, de 11 anos, recebeu na noite desta terça-feira, 2, já saberia o que dizer. "Eu queria dizer que o coração deles bate na minha filha. A filha deles vive na minha", afirma.
Moradora de Jaci, Maria Fernanda foi diagnosticada com cardiomiopatia restritiva (doença que faz as paredes do coração ficarem rígidas, impedindo-o de encher de sangue de forma adequada) em meio à pandemia de coronavírus e está internada no Hospital da Criança e Maternidade de Rio Preto (HCM) desde o dia 16 de abril. Em 7 de maio, entrou na fila de espera pelo transplante.
Fernando conta que Maria Fernanda sempre foi saudável e brincalhona. "Gostava de andar de bicicleta, de nadar. Em fevereiro começaram as aulas e ela sentia uma dor no abdome. Começamos a perceber que ela vinha meio cansada, não queria mais andar de bicicleta comigo ou caminhar com a mãe dela", conta o pai. No início, ele e a esposa, Josimara Cristina Cavichio Francisco, auxiliar de escritório de 39 anos, pensaram que fosse algo relacionado à idade. A menina chegou até a ser internada em Rio Preto com o diagnóstico de dengue, o que causou até alívio, pois pelo menos se sabia o que estava provocando os sintomas.
Exames, porém, mostraram que algo estava errado com o coração da criança, que em abril foi diagnosticada com o problema grave e internada já com a perspectiva de um transplante. Tudo ocorreu em meio à pandemia, que tornou ainda mais complicados os processos, pois é preciso ter certeza que o doador não está contaminado com Covid-19 antes da cirurgia, pois o paciente que vai receber o órgão já está debilitado, e uma infecção poderia complicar ainda mais seu quadro.
"Foi uma confusão, como diz a doutora, o momento de um transplante nunca é fácil, ainda mais em um momento que não pode nada, tudo é arriscado. Deus que preparou e ajeitou, no meio desse caos ela conseguiu", diz Fernando. "Se me perguntarem se quero ficar milionário ou levar minha filha para casa com saúde, eu quero levar ela para casa."
Ainda na terça, a família conversava sobre a saudade que a menina tem do lar e de ficar em casa com o pai e a mãe. Quando tiveram a notícia de que o coração estava a caminho, um misto de emoções - a maior delas, é claro, a alegria, mas também apreensão por causa da grande cirurgia pela qual Maria Fernanda passaria e a tristeza porque outra família havia perdido uma filha. O coração que a pequena recebeu veio de uma menina de 10 anos que estava internada no Hospital Municipal de Sorocaba, após comer pipoca envenenada com chumbinho. Outros órgãos dela também foram coletados.
Maria Fernanda foi a nona criança a receber transplante de coração no Hospital da Criança e Maternidade, que atualmente não tem mais nenhuma criança na fila de espera por esse órgão. O último transplante havia ocorrido no final de janeiro, em Miguel Carvalho Vieira Manuel, de 5 anos, que já está em casa.
Rio Preto é a única cidade a realizar transplantes de coração de crianças do interior do Brasil. Os outros centros transplantadores localizam-se em capitais de Estado.
Ulisses Croti, chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica do HCM, e a enfermeira Ana Chaboli, também do HCM, foram até Sorocaba de avião fretado buscar o coração no Hospital Municipal. A rapidez é necessária porque o órgão é um dos que menos tempo pode ficar fora do corpo humano, sem circulação sanguínea, por no máximo quatro horas. O tempo total, entre captar o coração e o final da cirurgia, até o órgão começar a bater no peito de Maria Fernanda, foi de três horas.
Segundo Alexandra Regina Siscar Barufi, cardiologista do HCM, a operação terminou no fim da noite. Maria Fernanda estava em UTI, utilizando substâncias vasoativas. "Esperando a possibilidade de uma vida fora do hospital. Fatalidades podem acontecer, que a família saiba que tem crianças que têm necessidade de um coração novo, de um rim novo", fala, sobre a doação.
Até a tarde desta quarta-feira, 3, Maria Fernanda estava sedada na UTI do HCM, recuperando-se da cirurgia, que foi realizada com sucesso. A médica explica que a menina permanecerá cerca de um mês na unidade de terapia intensiva. O tempo de internação será prolongado porque os pulmões já estavam com a pressão alterada devido à cardiopatia. "O pulmão vai se adaptar ao novo coração transplantado. Agora ela tem que receber as medicações para controle da imunidade", pontua a cardiologista.
A perspectiva é que a menina possa viver décadas com o novo órgão, levando uma vida normal. Ela precisará tomar medicamentos imunossupressores, para que o organismo não rejeite o órgão.