Fr. Marcos Sassatelli
A prática da corrupção na vida pública, tanto no Executivo, quanto no Legislativo e Judiciário, tornou-se um estilo de vida, uma cultura (ou melhor, uma anti-cultura). Tudo parece natural. Trata-se de uma situação social, estruturalmente imoral, que revela a iniquidade do sistema capitalista neoliberal e clama por justiça. Os fatos que comprovam essa situação social são muitos. Lembremos alguns.
No primeiro ano do governo Dilma Rousseff - como foi amplamente divulgado pela imprensa - foram demitidos seis ministros por suspeitas de corrupção. Pergunto: Que fim levaram? Onde estão? Nenhum dos seis ministros chegou a ser processado por corrupção ou improbidade administrativa. “Todos eles voltaram a ter rotinas normais enquanto aguardam a conclusão de inquéritos e outras investigações preliminares” (Folha de S. Paulo, 03/01/12, p. A5). Parece que tudo vai acabar em pizza e a impunidade continua reinando soberana.
Os fichas-sujas, com o apoio e a cumplicidade do Judiciário, estão voltando aos Parlamentos, como aconteceu com Jader Barbalho (PA) que, com total despudor, usou até o filho dele Daniel, uma criança de 9 anos, para debochar do povo. Que vergonha, senhores juízes!
“A crise no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) reabre debate sobre a falta de transparência da Justiça. Para o ex-secretário (Sérgio Renault) de Reforma do Judiciário, decisões contra o Conselho são reação ao controle externo. Atendendo a pedidos feitos por três associações de juízes, mesmo em caráter ainda provisório, “a primeira decisão contra o CNJ foi do ministro Marco Aurélio Mello. Ele avaliou que o órgão não pode tomar a iniciativa de investigar juízes antes das corregedorias locais. Depois, seu colega Ricardo Lewandowski suspendeu a apuração sobre a folha de pagamento de servidores do Judiciário em 22 Tribunais. O CNJ averiguava movimentações financeiras atípicas”. Aliás, Ricardo Lewandowski foi também o ministro que, numa entrevista, já previa a prescrição de alguns crimes cometidos no “mensalão”.
Segundo Dalmo Dallari, “a decisão do ministro Marco Aurélio é mais grave, por contrariar disposição expressa da Constituição. É uma tentativa clara de esvaziar o CNJ” (Ib., 25/12/11. p. A9). Senhores juízes, por que tanto medo do controle externo? Não é isso motivo de suspeita? Como diz o ditado, quem não deve, não teme. Finalmente, depois de tantas denúncias, uma pequena luz no fim do túnel. O novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, prometeu que “vai rever pagamentos a juízes” e “investigar supostos privilégios, como auxílios-moradia e licenças indevidas” (Ib., 03/01/12, 1ª página). Tomara que isso aconteça!
Por fim, pasmem! “Operações da Polícia Federal flagraram o desvio de R$ 3,2 bilhões de recursos públicos no ano passado (2011). O valor é mais do que o dobro de 2010 (R$ 1,5 bilhão) e 15 vezes mais o apontado em 2009 (219 milhões). De acordo com a PF, o valor desviado alimentou, por exemplo, pagamentos de propina a servidores, empresários e políticos. Na operação Paraíso Fiscal, foi registrada a maior apreensão de dinheiro da história brasileira: R$ 13,7 milhões. O total de funcionários públicos presos também aumentou: passou de 124 em 2010, para 225, em 2011. Delegados de Polícia Fazendária, que investigam desvios, atribuem o crescimento à formação de equipes especializadas” (Ib., 02/01/12, 1ª página). E os ladrões de colarinho branco será que estão presos? E quem vai devolver o dinheiro desviado aos cofres públicos?
Em Goiás, “deputados estaduais terão 15º salário. Assembleia Legislativa confirma aos deputados (21/12/11) pagamento da 2ª parcela (R$ 20 mil) das ajudas de custo anuais, conhecidas como auxílio-paletó ou 14º e 15º salários” (O Popular, 20/12/11, 1ª página). A 1ª parcela (R$ 20 mil) foi paga em fevereiro/11. Como diz Irani Inácio, “o auxílio-paletó é uma vergonha nacional” (Diário da Manhã, Opinião Pública, 28/12/11, p. 6). Que descaramento! Que afronta aos trabalhadores, que ganham salário mínimo (ou nem isso). Infelizmente, a maioria (não digo, todos) dos nossos parlamentares não demonstra nenhuma preocupação com a vida do povo, mas se serve da função pública para seus interesses pessoais.
Lembro, enfim, os crimes cometidos nas fraudes do Exame da Ordem na OAB-GO. Na ação penal que apura esses crimes - flagrados pela Polícia Federal na Operação Passando a Limpo - foram excluídos os principais dirigentes da OAB-GO. Trata-se “de uma das maiores máculas que castiga a Seccional Goiana da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo posta em xeque a dignidade da advocacia goiana, cuja seleção se dá no certame, pois no início da Operação Passando a Limpo, a Polícia Federal chegou a prender os seguintes dirigentes da entidade, João Bezerra Cavalcante, Eládio Augusto Amorim Mesquita e Pedro Paulo Guerra de Medeiros, que continuam na direção da OAB-GO. Destaca-se, ainda, que foi apurada e divulgada a existência de uma mega quadrilha organizada, envolvida na aprovação de determinados candidatos que se dispunham a pagar vultosas quantias para a aprovação. Falo com propriedade, por ter sido uma das aliciadas, por diversas vezes, pela quadrilha, ocasião em que comuniquei à diretoria da OAB-GO e, posteriormente, à Polícia Federal, antes da denúncia ganhar as principais páginas policiais da mídia” (Marcella Barbosa. Fraude no Exame de Ordem - Operação Passando a Limpo - ‘Cheiro de Pizza’. Diário da Manhã, Opinião Pública, 24 e 25/12/11, p. 4).
Penso que não precisa dizer mais nada. Estamos diante de uma situação social criminosa, de cinismo repugnante, de imoralidade pública e - o que é pior - de certeza da impunidade. O povo precisa denunciar tamanha safadeza, se unir, se organizar e banir, uma vez por todas, as pessoas públicas corruptas, em todos os níveis do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (Constituição da República Federativa do Brasil, Art.1º, Parágrafo único). Ah, se o povo tomasse consciência do poder que ele tem!. Os cristãos/ãs e todas as pessoas de boa vontade nunca podem perder a esperança. Uma outra sociedade - estruturalmente diferente - é possível, necessária e urgente. Lutemos por ela!
* Fr. Marcos Sassatelli é frade dominicano