As descobertas da Polícia Federal, que culminaram com a prisão de um tal Cachoeira, revelaram relacionamentos estreitos e comprometedores, entre altas figuras da república e o mundo da contravenção.
Parece incrível, mas criminosos e contraventores continuam usando o telefone para assuntos sigilosos, facilitando a ação policial. Bandidos mais experientes devem ter descoberto meios mais eficazes de comunicação, ou fazem uso de telepatia.
Pelo pouco até agora revelado, percebe-se que os caça-níqueis e jogo do bicho rendem fortunas, capazes de alçar qualquer cidadão à mais concorrida das colunas sociais, permitindo-lhe ainda a inserção nos círculos oficiais de poder. Tais rendas são originárias da poupança popular, a título de recreação, vício ou inusitada esperança de vantagem.
No Brasil, os jogos de azar, com outras denominações, são privilégios estatais. Dizem por aí que, entre uma e outra casa lotérica, há quase sempre um apontador do jogo do bicho e uma portinhola onde idosas entram quase sorrateiras, para o bingo da tarde. Não são raras as notícias de máquinas caça-níqueis, mesmo fora da internet, encontradas em bares e chácaras, país afora.
Donos de lotéricas exercem atividade formal, sujeitos à demonstração de regularidade fiscal, trabalhista, previdenciária, etc., e possuem paredes repletas de alvarás. Cientistas estudam o mistério da sobrevivência dos jogos informais, em ambiente onde trombam fiscais e órgãos repressores.
O Congresso Nacional ensaia a constituição de C. P. I., para averiguar o relacionamento entre a contravenção, parlamentares e membros do Executivo. A impressão é de que tal comissão encontrará um novelo quilométrico e intrincado de relacionamentos, e seu desenrolar poderá, se houver ânimo e quorum, demandar anos.
Os poderes públicos são exercidos por pessoas, que portam virtudes e defeitos. Em ambientes de pouca transparência e recato, as virtudes costumam abreviar os mandatos e investiduras.
Já os defeitos assumem ares de camaradagem, gerando dependências e ganhos recíprocos. Os defeituosos oficiais são simpáticos, prestativos e sempre dispostos ao atendimento dos mais diversos pleitos, ainda que imorais ou desonestos. Aqui, vale o dito de que uma mão lava a outra, e ambas acabam sujas.
Ainda que seja importante desvendar relacionamentos, é urgente analisar a trajetória percorrida pelos bem relacionados, do primeiro aperto de mão aos cofres públicos ou providências oficiais. Tal análise talvez já conste de algum relatório, estudo ou discurso, arquivados ou não ouvido.
Mais que mudar leis, precisamos inverter a idiota valorização social e política dos gestores defeituosos, que prestigiam relacionamentos e interesses pessoais como se fossem interesses de Estado. Passados 512 anos, ainda somos uma república de bananas.
*Pedro Israel Novaes de Almeida é é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.