Muito se fala em competências e habilidades quando se fala em educação. E não poderia nem deveria ser diferente. Contudo, pouco se fala e menos ainda se faz em termos de aprendizado da competência social. Mas, quando falamos em competência social, do que estamos falando?
Inicialmente, é preciso resgatar a função primeira e a própria natureza da educação. Partimos do pressuposto de que o ser humano, naturalmente, não sabe conviver, não saber viver em comunidade. Para tanto, a educação, inicialmente na família e, progressivamente, de modo formal, nas escolas, tem a função do ensino e da aprendizagem da interação humana, da vivência de experiências socialmente significativas. Trata-se de possibilitar a formação do “eu” pessoal, na aprendizagem da interação com outro “eu” pessoal, na convivência social, educando a sensibilidade para a vida em sociedade. Nessa dinâmica, a interação social é a condição fundamental para a construção da pessoa humana, e não somente mero indivíduo.
Considerando as determinações da lei de Diretrizes e Bases da Educação, nacional temos como principio e fim da educação “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Antes mesmo da aprendizagem do patrimônio cognitivo da humanidade, preservado nas diversas culturas, a socialização é a base sobre a qual e partir da qual se constrói a identidade pessoal e cultural do ser humano.
Considerando as orientações da UNESCO para a educação, pensando no século XXI, encontramos quatro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. Infelizmente, a quase exclusividade dessas aprendizagens fica reduzida à cognitiva, com pequeno enfoque no aprender a fazer. Em relação ao aprender a conviver e ao aprender a ser ___ que em nosso entendimento deveriam ser os primeiros, ou a condição no interior da qual aconteceria a aprendizagem cognitiva ___ transformam-se em objetivos secundários, quando não são delegados para outras instancias educativas ou sociais.
A história da cultura ocidental, reconhecidamente marcada pela voracidade e agressividade de uma competição aniquiladora do outro, está repleta dos frutos da cultura do individualismo. E quando dizemos cultura do individualismo, estamos falando de uma civilização que praticamente nada faz contra essa tendência natural; mas, ao contrário, cria estratégias que a reforçam.
Nesse contexto, torna-se imperativa, portanto imprescindível, a aprendizagem da competência social, da capacidade desenvolvida de pensar no bem-comum, de estar afetiva e efetivamente vinculado aos interesses do corpo social. Ora, isso não é natural, nem espontâneo. Essa competência é aprendida. Contudo, se olharmos para as ações individuais, seremos capazes de verificar essa competência social?
A qualidade da presença cidadã do indivíduo é indicativa de sua competência social. Mas, se as escolas restringem basicamente seu foco a competências e habilidades de natureza cognitiva, como aprender a competência social? Não há outro caminho senão propiciar situações e vivências formadoras do espírito politico e de atitudes cidadãs, a partir de dentro de uma “escola sem muros” em relação à teia social.
A competência social se expressa em habilidades sociais perceptíveis e descritíveis em termos de interações construídas com seus pares, em uma variedade de contextos e situações. Considerando a necessária inserção sociocultural do educando e do educador, a competência social deve ser compreendida sob essa perspectiva sociocultural, que implica desenvolvida capacidade de solidariedade e de empatia, que se manifesta no saber conviver, respeitando pontos de vista divergentes, e se realiza através de razão dialógica, capaz de construir consensos.
Se essa competência é uma aprendizagem que o ser humano deve adquirir desde a mais tenra idade, é função primordial da escola e complexificar as experiências socializadoras, construindo também, especialmente, conteúdos atitudinais. Nesse sentido, inicialmente, a primeira orientação deve sinalizar para a presença do outro, para a dignidade da alteridade, em sua diversidade, para cuja presença a sensibilidade deve ser educada. Em segundo lugar, é preciso construir a dinâmica de ensino e aprendizagem sobre projetos que solicitem competências e habilidades relacionadas ao exercício da cidadania, a fim de resistir ao fluxo do individualismo natural e cultural.
Dessa forma, a função social do currículo deve sempre estar na mente da comunidade educativa, que compreende o ato de educar como a construção de uma ética ou ótica da corresponsabilidade social. Nessa ótica, o individuo passa a pensar como membro do corpo politico ou social, de onde brota a consciência de que da harmonia do corpo resulta o benefício do membro e de que, inversamente, da inescrupulosa busca pelo bem individual poderá resultar a desarmonia social, que será prejudicial também para o próprio membro.
A aprendizagem da competência social requer, inicialmente, o estudo dos problemas sociais, formando a imaginação sociológica, a visão sistêmica do tecido social. Dessa capacidade analítica desenvolvida, a comunidade educativa deverá fomentar um novo espírito, que considera a complexidade desse todo e aprende a reconhecer e a construir valores que promovam a qualidade de vida, em sociedade plural e inclusiva.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador