Iniciada há poucos dias, Rio+20 abrigará chefes de Estado, e ambientalistas e movimentos sociais na Cúpula dos Povos. O evento corre o risco de frustrar expectativas caso não tenha, como ponto de partida, compromissos assumidos na Agenda 21 e acordos firmados na Eco-92 e reiterados na Conferência de Johannesburgo, em 2010.
Há verdadeira conspiração de bastidores para, na Rio+20, escantear os princípios do desenvolvimento sustentável e os Objetivos do Milênio, e impor as novas teses da “economia verde”, sofisma para encobrir a privatização dos recursos naturais, como a água, e a mercantilização da natureza.
O enfoque dos trabalhos deverá estar centrado não nos direitos do capital, e sim na urgência de definir instrumentos normativos internacionais que assegurem a defesa dos direitos universais de 7 bilhões de habitantes do planeta e a preservação ambiental.
Cabe aos governos reunidos no Rio priorizar os direitos de sustentabilidade, bem-estar e progresso da sociedade, entendidos como dever de garantir a todos os cidadãos serviços essenciais à melhor qualidade de vida. Faz-se necessário modificar os indicadores de desenvolvimento, de modo a levarem em conta os custos ambientais, a equidade social e o desenvolvimento humano (IDH).
A humanidade não terá futuro sem que se mudem os padrões de produção, consumo e distribuição de renda. O atual paradigma capitalista, de acumulação crescente da riqueza e produção em função do mercado, e não das necessidades sociais, jamais haverá de erradicar a miséria, a desigualdade, a destruição do meio ambiente. Migrar para tecnologias não poluentes e fontes energéticas alternativas à fóssil e à nuclear és imperativo prioritário.
Nada mais cínico que as propostas “limpas” dos países ricos do hemisfério Norte. Empenham-se em culpar os países do hemisfério Sul quanto à degradação ambiental, no esforço de ocultar sua responsabilidade histórica nas atividades de suas transnacionais em países emergentes e pobres. Há que desconfiar de todas as patentes e marcas qualificadas de “verdes”. Eis aí um novo mecanismo de reafirmar a dominação globocolonialista.
O momento requer uma convenção mundial para controle das novas tecnologias, baseada nos princípios da precaução e da avaliação participativa. Urge denunciar a obsolescência programada, de modo a dispormos de tecnologias que assegurem o máximo de vida útil aos produtos e beneficiem a reciclagem, tendo em vista a satisfação das necessidades humanas com o menor custo ambiental.
À Rio+20 se impõe também o desafio de condenar o controle do comércio mundial pelas empresas transnacionais e o papel da OMC (Organização Mundial do Comércio) na imposição de acordos que legitimam a desigualdade e a exclusão sociais, impedindo o exercício de políticas soberanas. Temos direito a um comércio internacional mais justo e em consonância com a preservação ambiental.
Sem medidas concretas para frear a volatilidade dos preços dos alimentos e a especulação nos mercados de produtos básicos, não haverá erradição da fome e da pobreza, como preveem, até 2015, os Objetivos do Milênio.
Devido à crise financeira, parcela considerável do capital especulativo se dirige, agora, à compra de terras em países do Sul, fomentando projetos de exploração de recursos naturais prejudiciais ao meio ambiente e ao equilíbrio dos ecossistemas.
A Rio+20 terá dado um passo importante se admitir que, hoje, as maiores ameaças à preservação da espécie humana e da natureza são as guerras, a corrida armamentista, as políticas neocolonialistas. O uso da energia nuclear para fins pacíficos ou bélicos deveria ser considerado crime de lesa-humanidade.
Participarei da Cúpula dos Povos para reforçar a proposta de maior controle da publicidade comercial, da incitação ao consumismo desmedido, da criação de falsas necessidades, em especial quando dirigidas a crianças e jovens.
Educação e ciência precisam estar a serviço do desenvolvimento humano e não do mercado. Uma nova ética do consumo deve rejeitar produtos decorrentes de práticas ecologicamente agressivas, trabalho escravo e outras formas de exploração.
Enfim, que se faça uma reavaliação completa do sistema atual de governança ambiental, hoje incapaz de frear a catástrofe ecológica. Um novo sistema, democrático e participativo, deve atacar as causas profundas da crise e ser capaz de apresentar soluções reais que façam da Terra um lar promissor para as futuras gerações.
*Frei Betto é escritor e religioso dominicano