Os recentes acontecimentos na América Latina mostram como os laços de solidariedade entre os seus países são ainda muito frágeis. Sobretudo quando se trata de urgir a lisura democrática nos processos de decisões políticas, é propriamente nula a influência dos posicionamentos oficiais expressos pelos países que entre si já firmaram, de maneira solene, compromissos formais com a democracia.
Esta fraqueza de persuasão faz com que as tomadas de posição dos países assumam a configuração de formalidades, aparentando convicções democráticas, mas na verdade significando a concordância tácita diante de decisões que atropelam a democracia. A tradição golpista ainda se legitima, respaldada na certeza de que será tolerada, acabará sendo aceita, e por fim apoiada.
E tudo continua como se todos fossem democratas confessos, políticos convictos e militantes ativos da ordem constitucional.
Mas da democracia se cuida só as aparências, deixando espaço para manobras que possam eventualmente ser úteis para a manutenção de interesses de minorias privilegiadas, que, evidentemente não podem ficar atrelados a formalidades da democracia.
Desde meados do século passado, os países latino-americanos viveram momentos privilegiados de despertar de sua própria identidade, e de afirmação de sua legítima autonomia.
Houve momentos em que a afirmação da própria autonomia, contou com o eficaz apoio da presença e da atuação da Igreja, incentivando os cidadãos a assumirem suas responsabilidades políticas.
Os momentos de sintonia entre a atuação da Igreja e o compromisso de ação democrática dos cidadãos, se constituíram nos tempos mais promissores, que permitiam sonhar com um verdadeiro processo de libertação integral e de afirmação positiva dos países latino-americanos.
Mas estes momentos propiciaram a reação orquestrada de ditaduras de direita, apoiadas por quem queria que a América Latina continuasse submissa aos seus interesses estratégicos.
Nos últimos anos, parecia se fortalecer, de vez, a prática democrática, com a coincidência de governos eleitos democraticamente, e que contavam com o respaldo popular para a sua atuação democrática.
O recente episódio de destituição de um presidente, eleito democraticamente, e deposto com procedimentos que mal disfarçavam suas intenções golpistas, mostra quando ainda é frágil a democracia nos países latino-americanos, seja na prática interna de cada país, seja no relacionamento externo entre os países formalmente unidos em torno de tratados de ordem econômica ou política.
Só a efetiva, e pertinaz, prática interna da democracia, poderá fortalecer o posicionamento comum dos países latino americanos.
Até que ela não se consolide, continuará capenga a democracia na América Latina.
*Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales