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Artigo
Um dia de lembranças
*Professor Manuel Ruiz Filho; manuel-ruiz@uol.com.br
Dia desses, revendo uma dessas gavetas que a gente pouco observa o que têm, encontrei uma camisa axadrezada, de quadrículas azuis turquesa, embaixo de outras vestimentas fora de uso que ali ficam postadas. Essa camisa tem um significado extremamente importante para mim. Quando a toquei, revi parte da minha história que o tempo havia amarelado e colocado no esquecimento. Assim como ele faz implacavelmente com a memória do dia a dia de cada um de nós. Na medida em que escrevemos a nossa história, o tempo inocentemente apaga. Recordo-me que meses antes de minha mãe partir para o sempre, me disse que iria comprar um tecido e fazer uma camisa para eu usar quando fosse para o campo em busca de guabirobas. Aquela fruta saudável e saborosa que a criança moderna não conhece. A camisa é de pano comum, desses que você encontra em qualquer loja que ainda vende tecidos a metro. O significado dessa camisa é de uma grandeza sem tamanho. Minha mãe era uma senhora de prendas domésticas incalculáveis, como a maioria do seu tempo. Fazia guloseimas de todo tipo. Ninguém conseguia sair de minha casa sem que experimentasse algum tipo de doce feito no fogão à lenha, ou naquele forno redondo de tijolos e barro comum que ela mesma construiu sobre um tablado de madeira rústica, coisa daqueles tempos. Saudades da sua forma de ser, tão comum, mas de habilidades incomparáveis. Utilizando-me da analogia, na confecção da camisa naquele rústico tecido, essa mulher usava toda sua sabedoria, revigorando e reforçando as costuras de proteção à vida de cada um de seus filhos. Era protetora de todos, nos empurrava a enfrentar a vida encarando todo tipo de adversidade que o tempo nos impunha. Suas habilidades, no alinhavo da minha camisa uniam as partes do molde e não esquecia que cada uma delas era diferente da outra e que juntas fazia um todo perfeito, assim como nossa família naqueles tempos, necessitava. Demonstrava enorme preocupação ao fazer cada vestimenta, assim como se preocupava que crescêssemos impedidos de desfrutar dos mais puros e livres ideais. Suas mãos, sempre que necessário, remendavam todas as partes desarranjadas de nossas roupas, porque era sua pretensão não permitir que caminhássemos de coração em fiapos ou postados no último lugar de qualquer uma das filas. As mãos de minha mãe juntavam pedaços de pano comum, de todo tipo e de todas as cores, para que tivéssemos uma manta única e nos cobrisse na medida de nossas necessidades. As mãos de minha mãe mantinham em suas palmas presilhas e botões, segurando-os um grudado ao outro para que continuássemos unidos e nunca perdêssemos a esperança por maiores que fossem as dificuldades enfrentadas. As mãos de minha mãe aplicavam elásticos às roupas, quando necessários, para que pudéssemos nos adaptar a todo tipo de inconveniência e fôssemos flexíveis às exigências do tempo e da modernidade. As mãos de minha mãe bordavam maravilhas em tecidos, assim como queria ela que a vida nos desse de presente todas as suas dádivas de embelezamento. As mãos de minha mãe sempre coseram bolsos para guardar neles moedas cunhadas por nossas melhores recordações e por nossas identidades. Quando calada, zelava pelos nossos sonhos e nos alimentava com ideais de um pó mágico que tinha o binômio de dignidade e grandeza. As mãos de minha mãe seguravam-nos com linhas mágicas de costura, nos fortalecendo, para que quando entrássemos na vida adulta tivéssemos a certeza de bem vesti-la. É claro que você deve estar se lembrando de sua mãe também. Se ela se foi como foi a minha, deve ter lembranças saudáveis assim como eu. Se ainda a tens, valorize seus dias e reconheça nela a sua melhor companhia. Sei muito bem que as mãos de minha mãe onde quer que estejam hoje continuam orando por mim e por todos seus filhos. Neste momento eu as beijo como se com isso eu pudesse receber mais uma vez sua a santa bênção.
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