Imaginem, daqui a alguns anos, meu neto descobrindo que o presidente da República foi grampeado pelo empresário Joesley Batista, da JBS, um megabilionário, usando um gravador “roscofe”, comprado na 25 de Março!
Que ele foi treinado pela Polícia Federal e que, mesmo assim, a gravação é amadora, cheia de defeitos. E que, no limite, o presidente foi submetido a uma espécie de teste de fidelidade do João Kleber para, eventualmente, confessar que teria praticado algum crime. Tudo com a permissão do Supremo Tribunal Federal. Como explicar isso?
Outra peça desse enredo é a oferta de uma propina de R$ 450 milhões paga em 20 anos em suaves prestações semanais!
Será factível oferecer propina de tamanho valor em um momento em que até uma gorjeta mais gorda pode ser considerada corrupção? E, pásmem, pode alguém acreditar que isso seja verdade?!
Causa grande estranhamento um ex-procurador sair da PGR para, semanas depois, estar conduzindo um acordo de delação premiada, o maior e mais escandaloso da história do instituto desde que foi criado. Será que não cabia quarentena?
O pior de tudo é que o STF e a Procuradoria-Geral da República aceitaram como prova firme uma gravação amadora, com equipamento de segunda, que pode ter sido editada várias vezes, e sem a devida perícia prévia. É uma grave irresponsabilidade. Em especial, quando se trata do presidente da República. Aliás, responsabilidade é o que mais falta aos atores envolvidos no episódio.
A regularidade dos vazamento de investigações e informações críticas - que podem comprometer os processo - é outro ponto de reflexão. Existe um claro despreparo no trato de questões sensíveis e uma ausência de responsabilidade de funcionários públicos que alimentam à mediatização do processo com os vazamentos. Alías, jamais alguém foi punido por vazamento. Não há, sinceramente, nenhuma vontade para investigar tais ocorrências.
Não sou adepto de teorias da conspiração. Tampouco tiro o peso das suspeitas que fundamentam o inquérito de investigação do episódio no STF. O presidente errou ao conversar com Joesley Batista e, em especial, ao ter ouvido fatos graves sem reagir.
As afrmações de Aécio Neves de que a escolha do presidente da Vale tinha sido dele é desmoralizados para a empresa quando todos chegaram a acreditar que houve um processo de seleção profissional.
As intimidades reveladas nos grampos entre executivos e políticos também são chocantes e apontam para o fundo do poço da política nacional. Sobretudo, uma relação indevida entre o público e o privado no que tange à defesa de interesses de forma pouco republicana.
Não há como justificar os favores pedidos ou as afirmações ditas sem a plena e imediata repulsa. Revelam que os comportamentos pré-Lava Jato são difíceis de serem modificados.
Todos os ingredientes desse enredo remetem a eventos malucos da nossa história política. Como, por exemplo, o Plano Cohen, divulgado em 1937, sobre uma suposta conspiração comunista contra Getúlio Vargas. Era uma farsa construída a partir de fatos concretos. Ou as suspeitas de que o geólogo americano Walter K. Link, que apontou dificuldades para exploração de petróleo na Amazônia, era um agente secreto querendo impedir o Brasil de desenvolver sua indústria petrolífera.
No entanto, para tristeza do país, o caso da gravação de Joesley Batista não é uma farsa. Em sua delação, ele dizia que comprava deputados e dava nome aos bois. Passava a impressão de que estava no campo a serviço de seu matadouro. Ao presidente, Joesley afirmou que tinha dois juízes e um promotor na mão. Um absurdo completo. A questão da mala com R$ 500 mil, que, meses depois, é devolvida para a Polícia Federal, é outro absurdo comprovado.
São revelações muito sérias, que devem ser exaustivamente apuradas. Porém, transitam perigosa e irresponsavelmente no campo da para-realidade, onde verdades, mentiras, factoides, manipulação e fantasia convivem, para a desgraça do povo. A verdade deve ser encontrada. Para o bem do país. O mais rapidamente possível. Para que possamos nos permitir a um novo recomeço.