Dólar alto, volta do IPI e repasse de custos das montadoras fazem preços de veículos subirem mesmo com o setor em crise
O cenário de faroeste toma conta da maior parte das concessionárias. Recepcionistas olham o Facebook, grilos estridulam, alguns vendedores andam em círculos enquanto outros conversam entre si. O tempo demora a passar e o medo do desemprego ecoa num silêncio angustiante, que só é quebrado quando raros compradores surgem à porta. Na maior parte das vezes, não fazem negócio. "É um ano de tristeza e falta de perspectiva", lamenta Odorico Damião, gerente comercial de uma concessionária Ford, a Avenida Francisco Morato, na zona sul de São Paulo.
Este cenário ilustra os números negativos que vêm sendo divulgados desde o ano passado sobre o setor automotivo. Caem a demanda, as vendas e a produção. Mas, curiosamente, não os preços. Enquanto as vendas recuaram 20% e a produção caiu 19% no acumulado do ano, os preços subiram 8%, em média, segundo a consultoria Jato Dynamics.
O economista Rodrigo Baggi, da consultoria Tendências, explica o movimento. Um dos argumentos é a recomposição das alíquotas do imposto sobre produtos industrializados (IPI), que entrou em vigor no início do ano. Em busca de elevar a arrecadação, o governo teve de recuar nas políticas de estímulo ao consumo implementadas nos últimos anos. Como o IPI incide diretamente sobre o preço ao consumidor, o impacto é sentido de imediato. Outro fator importante é o aumento dos custos, diz o economista. "Houve alta nos insumos importados, na energia, no transporte e nos combustíveis. Isso apertou as margens de lucro das empresas e elas decidiram repassar parte disso às revendas". As montadoras vinham bloqueando os repasses desde 2012 na expectativa de que o mercado voltasse a crescer como nos anos anteriores. Em 2015, os reajustes foram inevitáveis - e coincidiram justamente com o ano em que o setor enfrenta a sua pior crise em mais de uma década.
Na concessionária Peugeot, em Indianópolis, bairro da capital paulista, um automóvel 208 top de linha está 5 mil reais mais caro desde o primeiro trimestre do ano, período em que ocorreram os reajustes no setor. Na Fiat da rua Sena Madureira, na Vila Mariana, a alta dos preços chega a 2.500 reais, dependendo do veículo. O Fiat 500 modelo 2015 passou de 57.500 reais para 59.500 reais - e o preço não cede nem mesmo com a demanda em queda. Na Chevrolet da rua da Consolação, o Onix passou de 33.990 reais para 36.990 reais, enquanto uma pick-up S10 ano 2015 teve reajuste de 5 mil reais (passou de 87 mil para 92 mil reais).
Os preços mais altos, o crédito mais caro e a incerteza do consumidor em relação ao próprio emprego fazem com que um círculo vicioso se forme no setor. Em maio, a unidade da Fiat da Sena Madureira teve uma queda de 50% nas vendas. Um estoque que antes servia para suprir 30 dias de comércio, agora dura pelo menos 50. "A tendência é que as montadoras reduzam a produção ainda mais", avalia o gerente comercial da concessionária, Cyro Haydt. Na loja, eram vendidos cerca de 100 automóveis por mês no ano passado, quando a economia não estava lá muito aquecida. No final daquele ano, conta Haydt, o volume recuou para 60 carros por mês. Agora, se as vendas chegam a 30, comemora-se. Esses números ajudam a explicar porque durante uma hora de conversa com o gerente, nenhum cliente entrou na loja.
Ainda que as perspectivas de analistas prevejam melhora apenas em 2016, a tendência é de que os preços não cedam. "As concessionárias podem baixar os valores para aumentar a escala das vendas e desovar estoques. Mas, ao cortar preços, reduzem sua margem de lucro", diz Baggi. Segundo o economista, descontos podem surgir com mais facilidade, desde que os consumidores barganhem. "A bola está do lado do consumidor. O problema é que as famílias têm travado seu consumo devido ao momento econômico difícil", diz.