A Polícia Federal encontrou indícios de que a presidente
Dilma Rousseff agiu para tentar evitar eventual prisão do ex-presidente Lula.
Diálogo divulgado em inquérito tornado público na tarde desta quarta-feira, que
tramita na Justiça Federal em Curitiba, mostra uma conversa telefônica entre o
ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff, na qual ela diz que
encaminharia previamente a ele o "termo de posse" de ministro.
Embora não houvesse pedido de prisão contra o ex-presidente,
Dilma diz a Lula que o termo de posse só deveria ser usado "em caso de
necessidade". A conversa foi registrada no início da tarde desta
quarta-feira, às 13h32, pela PF, poucas horas antes da divulgação da decisão de
nomear Lula para o cargo de ministro da Casa Civil.
A conversa foi captada pela PF porque o telefone de um
segurança do ex-presidente, o tenente Valmir Moraes da Silva, era objeto de
interceptação telefônica autorizada pela Justiça. Era por este aparelho que
Lula se comunicava com autoridades e seus interlocutores.
Veja o diálogo:
Dilma: Seguinte, eu tô mandando o “Bessias" junto com o
papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de
posse, tá?!
Lula: "Uhum". Tá bom, tá bom.
Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
Lula: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.
Dilma: Tá?!
Lula: Tá bom.
Dilma: Tchau.
Lula: Tchau, querida.
O Ministério Público Federal pediu ao juiz Sérgio Moro a
quebra do sigilo argumentando que as gravações mostravam mobilização de grupos
para instigar manifestações públicas contra a investigação e manteve contato
com pessoas com foro privilegiado onde há indícios de que procuram “turbar as
investigações”.
SUSPEITA DE OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA
Uma das conversas descritas em relatório da Polícia Federal
anexado ao inquérito, o ex-presidente se diz insatisfeito com a atuação do
então vice procurador-geral Eugênio Aragão. O diálogo, em 27 de fevereiro, é
com um dos diretores do Instituto Lula, Paulo Vannuchi. Na gravação, Lula mostra-se
insatisfeito com o vice-procurador-geral, Eugênio Aragão, futuro ministro da
Justiça, e diz que colocaria duas parlamentares do PT "em cima" de um
outro procurador da Procuradoria Geral da República (PGR).
"Aquele filho da puta do Procurador antes de dar a
notícia da intimação, na quinta-feira, para o advogado, deu pra Globonews. É um
filho da puta mesmo (...) O problema é o seguinte, Paulinho, nós temos que
comprar essa briga, eu sei que é difícil, sabe?! Eu às vezes fico pensando até
que o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela porra, porque o Aragão
parece nosso amigo, parece, parece, mas tá sempre dizendo "olha...",
diz Lula.
Mais adiante, o ex-presidente aponta o que seria uma solução
para ter alguém de confiança dele na PGR:
"Nós vamos pegar esse de Rondônia agora, eu vou colocar
a Fátima Bezerra e a Maria do Rosário em cima dele", diz. Segundo a PF,
trata-se do procurador Douglas Kirchner.
RECURSO NO STF
O ex-presidente Lula falou com a presidente Dilma Roussef
por telefone no último dia 4, logo depois de ter sido levado coercitivamente a
depor pela Polícia Federal . O ex-presidente se disse "assustado com a
República de Curitiba". Lula disse a Dilma que a tese da investigação é a
do “domínio do fato” e que não vai "ficar em casa parado". Adiantou
que iria antecipar a campanha para a Presidência em 2018 e aproveitar a
militância para ir para a rua.
O ex-presidente disse à Dilma que a operação da Polícia
Federal foi "espetáculo de pirotecnia sem precedentes". Dilma
concordou: "É isso aí!!"
- Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós
temos uma Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento
totalmente acovardado, somente nos últimos tempos é que o PT e o PC do B é que
acordaram e começaram a brigar. Nós temos um presidente da Câmara fodido, um
presidente do Senado fodido, não sei quanto parlamentares ameaçados, e fica
todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se
salvar. Eu, sinceramente, tô assustado com a “República de Curitiba”. Porque a
partir de um juiz de 1ª Instância, tudo pode acontecer nesse país - diz Lula;.
Depois de falar com Lula, Dilma passou o telefone para o ministro Jaques
Wagner. Lula disse ao ministro que a condução coercitiva foi feita para se
antecipar a uma decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, que
decidiria sobre manter a investigação referente ao tríplex do Guarujá com o
Ministério Público de São Paulo ou incorporá-la à Lava-Jato.
- Sabe, eles tão tentando antecipar, como eles ficaram com
medo de a Rosa fosse dá, eles tão tentando antecipar tudo isso... Porque ela
poderia tirar isso da Lava Jato. O Moro fez um espetáculo pra comprometer a
Suprema Corte - disse Lula.
Na conversa, Lula demonstra que apostava numa decisão
favorável da ministra Rosa Weber
- Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa
fazer o que os homens não fizeram - diz Lula
Lula fala sobre procurar ministra do STF
O ex-presidente falou a Jaques Wagner também sobre a
necessidade de se procurar a ministra Rosa Weber, para que ela atendesse ao
pedido apresentado por seus advogados de suspensão das investigações contra o
ex-presidente, até que se apurasse quem seria responsável pelo caso, a Justiça
em Curitiba ou em São Paulo.
No diálogo, Lula sugere que uma terceira pessoa, a quem
chama apenas por “ela”, deveria ser escalada para falar sobre o assunto com
Rosa Weber:
"Ô Wagner, eu queria que você visse agora, falar com
‘ela’, já que ‘ela’ tá aí, falar o negócio da Rosa Weber, que tá na mão dela
pra decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o
que os homens não fizeram", afirma Lula na gravação. O pedido foi negado
por Weber e elogiado por Sérgio Moro no despacho que baixou o sigilo de
inquérito com interceptações telefônicas envolvendo o ex-presidente.
“A eminente magistrada, além de conhecida por sua extrema
honradez e retidão, denegou os pleitos da defesa do ex-presidente”, escreveu
Moro, que já trabalhou com Rosa Weber durante o julgamento do mensalão, no STF.
O juiz também menciona diálogo que sugere “tentativa de se
obter alguma intervenção” do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, “contra a
imaginária prisão do ex-presidente”, mas registra que “sequer o interlocutor
logrou obter do referido magistrado qualquer acesso nesse sentido”.
Em 7 de março, três dias depois da ação da Receita Federal,
Lula conversou com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e pediu a ele que
buscasse na Receita Federal informações sobre as investigações relacionadas ao
Instituto Lula, cujas atividades eram alvo da Lava-Jato.
A entidade havia sido alvo de busca e apreensão das
autoridades dias antes. "Estão procurando pelo em ovo. Eu acho... eu vou
pedir pro Paulo Okamotto botar tudo no papel, porque era preciso você chamar o
responsável e falar ‘que porra que é essa?’”, diz Lula no diálogo.
A ligação termina com Lula pedindo que Barbosa dê a ele boas
notícias. “Traga boa notícia, Nelson, hein? Pelo amor de Deus, caralho!”.
SUSPEITA SOBRE OPERAÇÃO
O relatório da PF também mostra que Lula suspeitava já no
fim de fevereiro, dias antes da operação que o teve como alvo, de que haveria
um mandato de busca e apreensão em sua casa e na de seus filhos.
Na conversa, registrada em 27 de fevereiro, com o presidente
do PT, Rui Falcão, ele diz esperar a ação da PF para o dia 29 daquele mês. O
mandado de busca e apreensão acabou acontecendo uma semana mais tarde.
"É eu tô esperando segunda-feira. Eu tô esperando
segunda-feira a Operação de busca e apreensão na minha casa, do meu filho
Marcos, do meu filho Fábio, do meu filho Sandro, do meu filho Cláudio",
diz o ex-presidente.
QUEBRA DO SIGILO
Nesta quarta-feira, o juiz Sérgio Moro decidiu derrubar o
sigilo do inquérito que investigava as atividades do presidente do Instituto
Lula, Paulo Okamotto, e o ex-presidente e remetê-lo à Procuradoria Geral da
República, por sugestão da força tarefa da Lava-Jato em Curitiba.
"Constata-se que o ex-presidente já sabia ou pelo menos
desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal,
comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos
diálogos", escreveu Moro em despacho divulgado nesta quarta.
Segundo juiz, "alguns diálogos sugerem que tinha
conhecimento antecipado das buscas" realizadas em 4 de março. Moro
argumenta que "somente o terminal utilizado pelo ex-presidente foi interceptado",
e não o de "autoridades com foro privilegiado, colhidos
fortuitamente", em menção à presidente Dilma Rousseff e a ministros que
conversaram com Lula.
O juiz também explicou ter mantido no despacho diálogos
interceptados de Roberto Teixeira, advogado de Lula, por entender haver motivos
para considerá-lo “um investigado”, e não apenas advogado do ex-presidente.
Moro diz querer “deixar claro que as aparentes declarações
pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério
Público ou da Magistratura não significa que esses últimos tenham qualquer
participação nos ilícitos”. Para o juiz, contudo, isso “não torna menos
reprovável a intenção ou as tentativas de solicitação”.
QUESTIONAMENTO A DELAÇÕES
Em um diálogo com o senador Lindberg Farias, o ex-presidente
Lula deixa claro que suspeitava de um grampo no telefone que estava utilizando,
de um assessor seu. "Eu estou falando nesse telefone porque quero ver se a
Polícia Federal está gravando... (risadas) Quero ver se está grampeado". A
conversa ocorreu no dia 2 de fevereiro, dois dias antes da 24ª fase da Operação
Lava-Jato, que teve Lula como alvo.
Na mesma conversa, Lula e o senador falam de uma suposta
relação entre o senador Aécio Neves (PSDB) e a construtora Andrade Gutierrez.
"Se a Polícia Federal e o Ministério Público, na delação da Andrade
Gutierrez, não aparecer o PSDB nem o Aécio, qualquer brasileiro pode dizer que
a delação é uma farsa, uma mentira". Lindberg concorda e afirma que
"a história da Cemig com a Andrade Gutierrez é o maior escândalo do
Aécio".
(*) Estagiário, sob a supervisão de Flávio Freire
Fonte: Agência O Globo