*Rita do Val é coordenadora do curso de Relações Internacionais na Faculdade Santa Marcelina (FASM)
A crise político-econômica do País pode ter consequências ainda mais profundas, devido ao acirramento dos discursos dos governistas e da oposição, que têm revelado um lado violento nos embates e discussões. Observamos assustadora mudança cultural dos brasileiros, cuja índole solidária, pluralista e serena, presente inclusive em numerosas eleições e momentos de intenso debate partidário-ideológico, está sendo substituída rapidamente pela intolerância e truculência.
O direito de opinar está sendo patrulhado e se convertendo em objeto de intimidação das pessoas. No Congresso Nacional, nas empresas e nas redes sociais, não faltam histórias e casos de agressão verbais e até físicas, envolvendo indivíduos que se dizem comprometidos com a ética e a democracia.
De um lado, vemos uma minguada base aliada do governo, que defende ferrenhamente o mandato da presidente Dilma Rousseff. De outro, uma oposição renovada, que ganha forças com o impeachment. Porém, o debate político, de ambos as partes, transcende ao espírito republicano, revestindo-se de exagerada agressividade e agressões morais e físicas. Muito preocupante é como a população está cada vez mais contaminada por esse embate truculento, que não interessa à democracia e muito menos à sociedade.
A política pode até mesmo ser paixão, pois isso é inerente ao ser humano. Porém, não pode fomentar o ódio. Na fronteira entre os dois sentimentos, nota-se preocupante mudança de um paradigma cultural dos brasileiros. As sessões do Legislativo lembram as brigas de torcidas organizadas. Nas redes sociais, o debate democrático deu lugar à barbárie, com trocas de ofensas pessoais, insultos e ameaças. Veem-se pessoas que justificam o emprego da tortura (um crime no Brasil!), pedem a volta da ditadura militar, fazem apologia ao estupro como prática educativa e defendem que o adversário deveria ser exterminado (genocídio?).
Segundo pesquisa da VitaSmart, uma em cada cinco pessoas diminui seu contato com amigos na vida real devido a brigas nas redes sociais. E 19% dos 2.698 entrevistados admitiram ter bloqueado ou cancelado amizades por causa de discussões virtuais. É triste constatar que a violência tomou o lugar do uso da razão e que a intolerância com quem pensa diferente transforma amigos e parentes em inimigos e colegas de trabalho em adversários.
Estamos na contramão da história, já que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo organiza-se para a construção da paz. O Brasil sempre teve papel importante na mediação de acordos multilaterais, exatamente devido à vocação de nosso povo e governantes para o diálogo. Talvez tenhamos esquecido de que fazemos parte de uma nação e queremos que ela supere suas dificuldades, para que todos nós, brasileiros e estrangeiros que aqui vivemos, tenhamos vida digna e progresso social e harmonia.
O debate político e o contraste das ideias e ideologias são enriquecedores e contribuem para o fortalecimento da democracia. Porém, digladiando-se com crescente agressividade, os políticos têm dado um mau exemplo. Eles deveriam cumprir melhor o papel de mediadores das relações entre o Estado e a sociedade e guardiões dos princípios republicanos, postura básica de quem recebe um mandato público.
É premente pacificar os ânimos. O PIB, os empregos e os investimentos voltarão a crescer, pois toda crise tem fim. No entanto, será muito difícil reverter a ruptura em curso no grau de tolerância dos brasileiros. Precisamos reaprender a conviver com as diferenças.