Enquanto isso, no país da jabuticaba...
O estrago já foi feito na imagem da mais alta corte de justiça do país. Resta saber, logo mais, se o estrago poderá ser muito maior. Só dependerá da decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) venha a tomar no caso do afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado.
É falso o argumento de que o ministro Marco Aurélio de Mello não poderia, sozinho, ter tomado a decisão de afastar Renan do cargo. No ano passado, por exemplo, 84% das decisões do STF foram tomadas por ministros individualmente. O plenário só tomou 2,4% delas. O STF fala pela boca de ministros e do plenário.
É falso também o argumento de que a liminar concedida por Marco Aurélio carece de sólidos fundamentos. Não é só ele que pensa que réu em ação penal não pode ficar na linha direta da sucessão do presidente da República. Além dele, mais cinco ministros de um total de onze votaram assim em julgamento anterior.
Desde a semana passada que Renan é réu de crime de peculato – o desvio de dinheiro público para seu próprio uso. Por oito votos contra três, assim o STF decidiu. O suposto crime foi cometido há nove anos. Sua apuração arrastou-se por todo esse tempo. Renan responde a mais 11 processos no STF, oito da Lava-Jato.
Ao não agir de imediato para que a decisão de Marco Aurélio fosse cumprida, o STF reforçou o sentimento compartilhado pela maioria dos brasileiros de que a Justiça é leniente, bondosa e até cúmplice de quem muito pode. Só é rigorosa, veloz e implacável com as pessoas comuns que pouco ou nada podem.
Não é exagero pensar que o Estado de Direito, tal como é conhecido em países verdadeiramente democráticos, foi suspenso no Brasil quando Renan e seus seguidores tiveram a ousadia de anunciar que simplesmente não levariam em conta uma decisão do STF. Que prefeririam esperar que ela fosse ou não avalizada pelo plenário.
O STF piscou primeiro. A ministra Cármen Lúcia e alguns ministros gastaram grande parte do seu dia, ontem, discutindo uma saída para a afronta sofrida pelo tribunal. Como se existisse àquela altura qualquer outra saída capaz de salvar a face do STF que não fosse a reafirmação da decisão antes tomada.
Alguns ministros entraram pela noite amadurecendo uma “saída esperta”. O STF confirmaria a expulsão de Renan da linha de sucessão do presidente da República, uma vez que ele é réu. Mas deixaria a critério do Senado afastá-lo ou não do cargo. Pode ser uma “saída esperta”, mas não passa de uma jabuticaba.
Não é Renan que está na linha direta da sucessão do presidente Temer, logo depois do presidente da Câmara dos Deputados. É o presidente do Senado quem está. O cargo é quem põe seu ocupante na linha direta da sucessão do presidente. E parece inconcebível que ele continue sendo ocupado por alguém que virou réu.
Se a Constituição obriga a se afastar do cargo o presidente da República que se torna réu, por que se deveria permitir que o cargo pudesse ser ocupado por outro réu? Há cabimento em se tirar o Senado da linha de sucessão do presidente da República só para que Renan possa continuar como seu presidente?
Jabuticaba! Mais uma.