Um país torna-se cativo e insolúvel quando perde a capacidade de se espantar. Perdendo-a, não reage – e sucumbe à crise e à perda de seus valores fundamentais. Acostuma-se ao caos e faz dele o seu padrão de normalidade.
O Brasil vive este momento, pelo qual já passou a Venezuela, que custou a perceber em que tragédia o chavismo a mergulhava. Quando acordou, era tarde. Faltava até papel higiênico.
Ontem, o presidente Temer gravou um vídeo para a internet, em que diz que a semana que se encerra “deixou o Brasil mais leve e mais justo”. Que bom: mas como assim?!
Baixaram os índices de criminalidade? Retomou-se o crescimento – e, com ele, o emprego? Avançou o combate à corrupção? As instituições, a começar pela Presidência, resgataram sua credibilidade? Não: mas o governo liberou o Pis-Pasep para os maiores de 62 anos (mulheres) e de 65 anos (homens).
Mais: o BNDES, submetido a uma CPI no Senado e acusado de ter sido um dos carros-chefes da roubalheira da Era PT, abriu linha de crédito para os pequenos e médios empresários. Eis aí o país “mais leve e mais justo”. Ninguém, claro, se espantou com a boa nova.
Os problemas não surgem de repente. Nélson Rodrigues dizia que o subdesenvolvimento não se improvisa; é fruto de longa e penosa elaboração. Se a criminalidade é hoje o drama maior do país – que possui seis entre as dez cidades mais violentas do mundo, segundo a ONU -, há método e propósito nesse desconcerto.
Ao longo dos governos tucanos e petistas – mais neste que naquele, mas em ambos -, vigeu a tese de que o bandido não é um algoz, mas, inversamente, uma vítima da sociedade. Por falta de oportunidade, é desviado pela própria sociedade para o crime. A culpa, portanto, é da sociedade, pagadora de impostos.
O governo federal, provavelmente achando que o país está cada vez “mais leve e mais justo”, cortou nada menos que 35% do orçamento do Ministério da Defesa, que já não era grande coisa.
O presidente Temer, diante de um déficit orçamentário de mais de R$ 150 bilhões, decidiu recorrer às privatizações. A medida é correta e tem, neste momento, amplo apoio social.
Mas não basta. É preciso saber como isso se dará, o tempo disponível e a correlação de forças políticas. Não é apenas a esquerda que não quer as privatizações, mas também o espectro partidário fisiológico resiste. O Estado, afinal, tem sido uma mãe para todos.
A esquerda invoca razões de ordem ideológica, mas a devastação que PT e aliados impuseram às estatais mostra que a inspiração foi bem outra. Nesses termos, e nessas condições, acreditar que o governo Temer, acuado por denúncias e em sobressalto permanente diante da expectativa de novas delações, terá meios de empreender, no prazo que lhe resta, o que está prometendo, exige mais que otimismo: exige fé religiosa.
Em meio a esse ambiente, os políticos discutem as regras eleitorais para 2018, na perspectiva de que as mudanças nada mudem e possam garantir o retorno dos de sempre.