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As profecias sempre seduziram a alma humana. A vida é o desfile ininterrupto de angústias e de desgraças. Há intervalos de aparente harmonia. Logo sucedidos por tristezas. Pequenas ou grandes. Perdas e decepções. Traições e ingratidões. Mergulhar nas profecias ajuda a ter a ilusão de que a humanidade tem remédio e de que Deus não está arrependido de cria-la. Percorrer o centro de São Paulo, a qualquer hora do dia ou da noite, é concluir que a civilização fracassou. Como se deixou chegar ao estágio atual, com lixo se acumulando e seres humanos vivendo ao lado, num apavorante mimetismo? Destruição de patrimônio público e particular, sujeira, pichação, vandalismo e violência. Há de tudo em qualquer canto. Mas tudo feio, tudo sujo, tudo ruim. Será que é isso mesmo? Difícil chegar a outra conclusão. Desde as coisas simples: quantos desocupados exercendo a função de entregar papeis que logo são jogados ao chão e vão entupir as bocas de lobo? Abordagem de pedestres por jovens treinados para vender utopias. Olhares tristes, angustiados, gente sufocada por necessidades inatendíveis. Como faz falta um profeta. Alguém que, como Olavo Bilac, cujo centenário de morte há pouco celebramos, que tinha a coragem de substituir o menino que viu a nudez do rei e defendeu a modernização urbana e sanitária do Rio. No governo Rodrigues Alves, o Prefeito Pereira Passos e o médico Oswaldo Cruz promoveram uma Revolução. Só conseguiram porque Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário ainda não administravam as cidades, como hoje acontece. A ignorância então reinante – e que se intensificou bastante depois disso – não queria a destruição de mais de oitocentos prédios, nem que houvesse vacinação obrigatória. Ninguém acreditava que o mosquito causasse febre amarela, dengue, tifo e outras epidemias. Todas de volta, para mostrar que ignorância não era exclusiva do início do século XX. Perdurou e está viçosa no século XXI. Pois Olavo Bilac antevia o que viria a ser a Avenida Central, hoje Rio Branco, na cidade Maravilhosa que o banditismo quer sepultar: “Parece-me que a vejo acabada, ampla e formosa, com as suas árvores, os seus palácios, as suas lâmpadas elétricas, os seus “refúgios”, e cheia de uma multidão contente e limpa. Ainda não é realidade: mas já não é sonho...E, pela avenida em fora, acotovelando outros grupos, fui pensando na revolução moral e intelectual que se vai operar na população, em virtude da reforma material da cidade”. Estamos exatamente na mesma situação. Muito mais paradoxal hoje, em 2019, pois conseguimos praticamente milagres na longevidade, nas comunicações, no avanço das tecnologias impactantes da 4ª Revolução Industrial. Mas continuamos com cidades sujas, abandonadas, mal amadas por governantes e por cidadãos. Precisamos de outros Olavos Bilac prenunciando o retorno da limpeza, da civilização, do tratamento condigno para os miseráveis moradores de rua, para os pedintes, para os desempregados, para os drogados. Para todas essas tribos que merecem respeito. Haverá, algum dia, a devolução da cidade ao cidadão?
José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, Universidade Corporativa dos Registros de Imóveis e Presidente da Academia Paulista de Letras 2019-2020.
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