Escritor Tony Rocha
O Gramado
Tony
Rocha
Conrado Vilela é um advogado com
talento natural para ganhar dinheiro. Está no topo da pirâmide econômica e
social. Tem aversão a mentiras, o que caracteriza uma contradição, já que, por
força da profissão, é muitas vezes coagido a mentir; dilema resolvido pelo
doutor Vilela – no tribunal da própria consciência - com o argumento de que
leves e eventuais inverdades proferidas com o nobre intuito de justiça não são propriamente
mentiras. Um homem espirituoso e feliz, o doutor Vilela. Tem bela e leal esposa
e três filhos estudiosos e responsáveis. Como se costuma dizer popularmente: a
típica família de comercial de margarina. A voz de Conrado Vilela vibra na mais
exata e cristalina expressão da verdade – no caso, verdade mesmo, sem a
necessidade de nenhum estratagema de autodefesa – quando ele diz aos amigos:
“Meu sonho maior é ter um gramado
impecável como os gramados ingleses.”
O gramado do doutor Conrado fica na
frente da residência. Um gramado relativamente pequeno – cerca de duzentos
metros quadrados – com uma ilhota de ixoras ao centro. Durante vinte anos, doze
profissionais cuidaram do jardim, o gramado sempre fora bonito, mas não com
aquela altiva exuberância dos gramados ingleses. Como vivia repetindo Conrado
Vilela: “Precisa ser IMPECÁVEL!”
Conrado decidiu que iria cuidar
pessoalmente do gramado. Pesquisou sobre o assunto. Aprofundou-se. Renunciou a
compromissos sociais e até profissionais, passando a dedicar-se com abnegação
ao sonho do gramado impecável. Efetuava a rega em horários apropriados,
colocava música clássica – especialmente Bach – para a grama ouvir e até
conversava longamente com o gramado, este, entretanto, continuava bonito, mas
não impecável, apresentando falhas aqui e ali, quase imperceptíveis, mas que,
segundo a avaliação do atento olhar do doutor, quebravam a harmoniosa
perfeição.
O doutor Vilela nunca quis um gramado
impecável para admirá-lo sozinho, a intenção sempre fora compartilhar a visão
do tapete verde com os transeuntes, tanto que, como já foi mencionado, o
gramado é frontal à residência, o que o separa da calçada da rua é uma mureta
de não mais que meio metro de altura. O doutor dizia que aquela mureta com
menos de três palmos, além de deixar o gramado totalmente visível a quem
passava pela calçada, dava um toque de civilização e ares de Europa.
Um dia, Vilela convidou os amigos
mais caros para um almoço em sua casa.
“Mas... está perfeito, impecável”,
disseram uníssonos os convidados, assim que puseram os olhos no gramado.
“Modéstia à parte, concordo
inteiramente”, disse Conrado Vilela, tomado por um sentimento de triunfo, por
uma sensação de quem vence a guerra após perder algumas batalhas, “finalmente
consegui o gramado impecável, e foi graças à Sociologia.”
“Espere um pouco”, disse um sociólogo
que fazia parte do grupo, “Sociologia é o estudo científico das sociedades
humanas e dos fatos sociais, não entendi a relação!”
“É simples, à luz da Sociologia,
cheguei à conclusão de que nossa sociedade não atingiu a maturidade, é ainda
adolescente e, como tal, é rebelde, do contra, o que me levou a mudar a placa”,
apontou para a ilhota de ixoras e completou, “vejam o novo aviso que
providenciei.”
Todos olharam para a placa que estava
junto às ixoras. De fato, o doutor substituíra o aviso não pise na grama por
outro com as palavras: “Pise na grama.”
“E ninguém mais
pisou na grama”, disse o anfitrião, “devo admitir que não é um aviso
verdadeiro, já que não quero que ninguém pise na grama, mas, trata-se de uma
inverdade inocente, inofensiva e imbuída de nobre propósito.”