Gilberto Alvarez Giusepone Jr.
Dizer que São Paulo retrata o Brasil já é um lugar-comum inevitável. A cidade ostenta, em números, grandezas que envaidecem e consternam os brasileiros. Com uma população de 10,88 milhões de habitantes – ou quase 19 milhões, se considerada a Região Metropolitana –, o município recebeu em 2010 perto de 12 milhões de visitantes nacionais e estrangeiros. Desse universo, 56,1% vieram a negócios, pois aqui estão 38 das 100 maiores empresas privadas de capital nacional e 63% dos grupos internacionais instalados no Brasil.
Os números são expressivos em todas as áreas: 1.769 estabelecimentos de saúde, 40 hospitais públicos, 61 hospitais particulares, 24.957 leitos hospitalares, 99 bases móveis da polícia militar, 93 distritos policiais, quatro postos do Poupatempo, 146 faculdades, 26 universidades e 22 Centros de Educação Tecnológica, 110 museus, 260 salas de cinema, 40 centros culturais, 64 parques e áreas verdes, estádios de futebol, autódromo internacional, 37 mil táxis, 1.335 linhas de ônibus, cinco linhas de metrô, a segunda maior frota de helicópteros do mundo e três aeroportos – ou quatro, com Viracopos.
Na contramão desse esplendor, a cidade viu o índice de emprego recuar 3,2% em junho, a maior queda da série histórica da pesquisa do Dieese, iniciada em 1989, com 55 mil vagas fechadas no mês; triplicaram os roubos de veículos; registra-se uma virulenta onda de assaltos e de arrastões a bares e restaurantes; e a grande metrópole se vê cercada por um cinturão de favelas que muitas vezes transborda para o entorno, um extravasamento populacional que, no dizer do IBGE, só não afeta a zona Norte, onde a serra da Cantareira se tornou um biombo natural. Mas, de acordo com denúncias das comunidades organizadas da região e o alerta de organismos das Nações Unidas, até mesmo esse escudo está hoje ameaçado, se as obras do rodoanel forem realizadas com os equívocos de seu planejamento.
Ao mesmo tempo em que reflete a cultura urbana brasileira, as mesquinharias, o descaso e o descompromisso de sucessivos (des)governos – tantas vezes exemplo do que se deve ou não esperar como resultado de políticas e práticas administrativas – e é modelo de pujança tantas vezes cantada em verso e prosa na cultura e nas artes do país, o município de São Paulo apresenta dados que revelam sua face mais obscura, a causa maior dos males com que o presente ameaça o futuro: uma educação de qualidade pífia, onde o decantado processo ensino-aprendizagem simplesmente não acontece. Repita-se: não acontece.
Para traduzir esse descalabro, os números também são grandiosos. Aproximadamente 20,2% da população estão em idade escolar (entre 4 e 17 anos) e apresentam na Prova Brasil (Ideb) resultados de 183,2 e 204,3 pontos para o 4o ano do Ensino Fundamental em português e matemática, respectivamente. Para essas disciplinas, os mínimos aceitáveis (Todos pela Educação) situam-se em 200 e 225 pontos. No 8o e no 9o ano, o fracasso é ainda mais significativo: 235 e 236,1 pontos para português e matemática, contra os mínimos aceitáveis de 275 e 300 pontos. Em outras palavras: apenas 26,2% dos estudantes do 4o e do 5o ano e 16,4% dos do 8o e do 9o ano apresentam desempenho mínimo ou superior em português. E apenas 21,6% dos estudantes do 4o e do 5o ano e 7,5 % dos do 8o e do 9o ano apresentam desempenho mínimo ou superior em matemática. Os dados sobre o Ensino Médio são ainda mais aziagos.
A questão é administrativa? Não! Definitivamente, essa é uma questão política. São Paulo está, como de resto todo o Brasil, diante de momentos absolutamente decisivos na história, pois, pela primeira vez, a abundância de recursos financeiros irrigará a teimosia triunfante, o esforço e a criatividade do povo brasileiro. Não há exagero em dizer que o pré-sal é o pré-Brasil que nenhum de nós ousara sonhar. A hora – claro! – é de grandes consertos, de correção de rumos, de calibragem nas contas e na destinação de recursos. As políticas públicas devem voltar-se para as necessidades urgentes, mas sem perder, nem por um momento sequer, a estratégica visão de futuro, sem a qual todas as esperanças de uma nação pacificada ficarão inapelavelmente comprometida s.
A quem cabem as providências saneadoras? Nossa tradicional cultura de delegação de responsabilidades poderá apontar, de imediato, o poder público. E isso é correto, pois aí está o agente das transformações. Mas essa abstração tem uma correspondência humana, vale dizer, são pessoas que ocupam os cargos que perfazem aquilo que chamamos de poder – pessoas que são escolhidas pela população em processos eleitorais claros, livres e soberanos.
Assim, faça-se uma correção: as providências saneadoras cabem, em primeiríssimo plano, à população de São Paulo. Nenhum candidato no comando dessa cidade poderá fazer-se alheio ao que hoje ocorre na educação das nossas crianças e dos nossos jovens. Só o candidato que colocar a Educação como prioridade absoluta do governo municipal, com diretrizes, objetivos e metas claras e mensuráveis, sem meias palavras ou subterfúgios, merecerá o voto do paulistano.
A Educação qualificada é a plataforma política e é o programa de governo. Tudo o mais são protelações inaceitáveis e a ameaça da repetição caduca das mesmas palavras bonitas e vazias perenizando tudo aquilo que a consciência cidadã repudia.
* Gilberto Alvarez Giusepone Jr. é professor, autor do material de física do Sistema de Ensino do Cursinho da Poli (SP) e também é diretor da instituição.