Neste ano a memória do Concílio Vaticano II se faz presente de maneira especial. Já se passaram 50 anos de sua abertura, em 11 de outubro de 1962. E´ uma data que vale a pena ser celebrada.
Mas não é preciso esperar outubro para descobrir nos anais da história os vestígios deste vasto acontecimento. Com a chegada da quaresma, nos deparamos com uma iniciativa, que é herdeira legítima da fecundidade histórica do Concílio.
Trata-se da Campanha da Fraternidade. Ela leva a marca registrada do Concílio. Não se entenderia a consolidação desta campanha, sem relacioná-la com o contexto conciliar que criou o ambiente, onde ela pôde nascer e se desenvolver, até criar as raízes sólidas que cada ano reproduzem novos rebentos de sua vitalidade.
De fato, basta conferir as datas, para perceber a íntima relação da Campanha da Fraternidade com o desenrolar do Concílio. Ela foi realizada a primeira vez em 1962, justo no ano da primeira sessão conciliar. Foi lançada por três dioceses, sob a liderança da Arquidiocese de Natal, no Rio Grande do Norte.
No ano seguinte, já eram dezesseis dioceses que a assumiam em conjunto. Para em 1964 ser assumida por toda a CNBB.
Atrás destas datas, percebemos o cenário maior do processo conciliar em plena ebulição. Cada ano, os bispos passavam mais de dois meses em Roma, participando dos trabalhos conciliares. Os brasileiros estavam hospedados na “Domus Mariae”, a casa da Ação Católica Italiana. O ambiente era propício para a convivência fraterna e para o diálogo em torno das questões eclesiais suscitadas pelo Concílio.
Compreende-se então que uma iniciativa como esta, em sintonia com as propostas conciliares, fosse olhada com simpatia, e logo assumida pelos bispos, sequiosos de colocar em prática as orientações pastorais decorrentes do Concílio.
De fato, desde o seu inicio a Campanha da Fraternidade tentou inserir os valores que o Concílio ia explicitando. Daria para elencar diversos.
O primeiro destes valores era a nova consciência de pertença eclesial, despertada pela visão de Igreja como Povo de Deus. Não é por acaso que o lema da primeira Campanha em nível nacional, em 1964, era exatamente este: “Lembre-se: você também é Igreja”.
Outro valor que emergia com força dos debates conciliares era a missão dos bispos e a importância de sua comunhão episcopal, como co-responsáveis pela Igreja. Pois bem, a Campanha se apresentava como um ótimo instrumento para assumir na prática esta comunhão, dando força à ação de cada bispo em sua respectiva diocese.
Não menos insistente era a urgência da Igreja se inserir na realidade, levando sua presença de serviço fraterno e de estímulo para a participação dos leigos na vida social e política. A Campanha assumia esta preocupação, escolhendo temas de interesse da sociedade, e estimulando a reflexão e a participação organizada.
Em todo o caso, neste ano em que nos propusemos “revisitar o Concílio”, por ocasião do jubileu de 50 anos de sua abertura, encontramos na Campanha da Fraternidade um dos seus frutos mais consistentes e maduros. Se queremos encontrar vestígios da caminhada positiva despertada na Igreja pelo Concílio, temos na Campanha da Fraternidade um exemplo eloqüente e altamente meritório.
Além do seu tema, desta vez a própria Campanha da Fraternidade, por sua trajetória histórica, nos interpela e nos desafia a retomar o clima de intensa participação eclesial, que o Concílio despertou com generosidade, mas que precisa ser retomado e sustentado.
A Campanha da Fraternidade continua nos lembrando que “todos somos Igreja”, com direito a participar de sua vida, e com o dever de assumir sua missão.
* Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales