Quando se trata de temas como educação e saúde de crianças e adolescentes é preciso dar voz aos diferentes pontos de vista, sob pena de ser negligente em relação a aspectos importantes.
Partindo do artigo anterior, no qual tratamos a questão dos abusos sofridos pelos portadores de TDAH e do despreparo de familiares e profissionais de saúde e educação para lidar com o problema, tentamos aqui ampliar tais reflexões sob outros ângulos não menos importantes.
Se já é difícil o cotidiano para crianças e adolescentes que frequentemente sofrem de maus-tratos e não recebem tratamento adequado para a superação de suas dificuldades, não menos tortuoso é o dia a dia de professores que enfrentam salas de aula lotadas e heterogêneas, sendo exigidos pela escola, alunos e pais sem ter, na maioria das vezes, recebido capacitação adequada para lidar com portadores de TDAH.
Histórias de estresse
Os profissionais do ensino são apontados como responsáveis pelo desempenho dos alunos e pelo fracasso na aprendizagem daqueles que não evoluem. São cobrados, muitas vezes sem ter sido adequadamente preparados para a execução de algumas dessas tarefas.
Certa vez ouvi um relato surpreendente feito pela mãe de uma criança com TDAH, cuja professora muitas vezes dava aulas com alunos nas costas, “de cavalinho”, pois “assim ficavam quietos”.
Não são poucas as histórias de estresse e esgotamento entre os professores. Muitos também são vítimas de agressões físicas e morais por parte de alunos e pais, coisa que por vezes chega aos noticiários. Também são vítimas das distorções do sistema de ensino, que negligencia a importância fundamental dos educadores na formação dos sujeitos sociais.
Diante do TDAH, o profissional do ensino quer saber o que é preciso fazer. Alunos com o transtorno perturbam a aula, agitam a turma, não se dispõem a seguir as regras, não param nas carteiras, desafiam a autoridade, não prestam atenção às aulas e não aprendem.
“Não bastasse tudo isso, no fim do ano os pais trazem um laudo e temos que aprová-los porque sofrem de TDAH”, queixa-se uma professora. “Eles se apóiam nos laudos para manter os comportamentos irresponsáveis e descomprometidos, já sabendo que não sofrerão nenhuma consequência dos seus atos.”
Informações disponíveis
Em primeiro lugar é preciso compreender o TDAH e suas manifestações: quais as limitações e habilidades dos portadores, suas formas de processar a informação, estratégias que já foram tentadas por pesquisadores e outros profissionais, o que geralmente funciona e o que não funciona nesses casos.
Uma recomendação recorrente da comunidade científica é que sejam dadas, aos profissionais que lidam diretamente com o problema, todas as informações sobre a natureza e o manejo desse transtorno. A oferta dessa capacitação é função da instituição ou mesmo do sistema de ensino.
O TDAH deve ser tratado de maneira interdisciplinar entre profissionais de saúde, pais e escola; e isso é consenso na comunidade científica. Ao trabalhar de maneira integrada, usando estratégias consistentes, pessoas que cuidam de indivíduos portadores do transtorno poderão contribuir muito para o seu desenvolvimento.
Trata-se de um transtorno do desenvolvimento de origem genética e frequentemente presente em mais de uma pessoa da família. Compreende déficits na capacidade de sustentar a atenção, de inibir o próprio comportamento e de regular o nível de atividade. São, portanto, pessoas desatentas, impulsivas e inquietas ou hiperativas.
São três os subtipos de TDAH: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e combinado. A suspeita de TDAH parte, na maioria das vezes, da escola, pois é onde as exigências comportamentais e de rendimento evidenciam as dificuldades da criança. Grande parte dos encaminhamentos para avaliação de portadores de TDAH é feita pelas escolas.
Diagnóstico e terapia
O diagnóstico é tarefa do médico – especialmente do psiquiatra ou neurologista –, que enfrenta uma tarefa delicada para diferenciar o TDAH de outros quadros clínicos que apresentam sintomas parecidos.
A psicoterapia cognitivo-comportamental é a forma de terapia mais eficaz nesse caso, pois ajuda no desenvolvimento das estratégias de organização, planejamento e disciplina, de maneiras de lidar com a oscilação da atenção, enfrentar a procrastinação, melhorar a relação com o tempo e a capacidade de lidar com a frustração, de ouvir, de negociar e esperar.
Os déficits de autoestima ou os quadros de depressão e ansiedade gerados pelos fracassos sucessivos nas tentativas de levar a cabo os planos iniciados e abandonados, a capacidade de perceber e corrigir os comportamentos inadequados e impulsivos, a superação das muitas dificuldades impostas pelo transtorno são alvos importantes do trabalho terapêutico.
O papel da medicação nesse contexto é o de prover as condições neurofisiologias necessárias para que a pessoa com TDAH seja capaz, com orientação adequada, de desenvolver as habilidades que lhe faltam para que seja bem sucedida nas tarefas escolares, sociais, afetivas e profissionais.
O papel da escola é proporcionar as condições pedagógicas, sociais e afetivas suficientes para que a criança ou adolescente aprenda nesse contexto. O papel da família é o de cuidar da educação, saúde e bem-estar de seus membros em todos os sentidos. Nenhuma dessas tarefas é fácil em se tratando de portadores de TDAH, mas o empenho e a persistência serão gratificados com a satisfação de se ver os resultados positivos na vida de todos os envolvidos.
*Vânia de Morais é psicóloga, mestre em Ciências da Saúde e doutoranda em Linguística