É muito comum fazermos julgamentos apressados das pessoas. Há no senso comum uma espécie de discurso sobre o caráter a partir do que cada um assiste na televisão. Durante muito tempo os vilões foram as novelas da Globo. Diziam que eram alienantes e que apenas as pessoas “medíocres” e “estúpidas” assistiam. Detalhe: algumas novelas chegaram a ter quase 100% de audiência. Hoje em dia pregam os detratores da televisão que o “culpado” por nossa situação alienante é o “Big Brother”. Devemos realmente jogar a culpa na televisão por todas as nossas mazelas?
Em primeiro lugar, a crítica da maior parte dos indivíduos sobre este ponto é superficial: “Eles são alienados por assistirem televisão, mas eu sou especial”. Poder-se-ia julgar que aqueles com tal posição têm tempo, disposição e capacidade para buscarem outros tipos de informações e lazeres mais “edificantes”. Pergunto-me seriamente o que estes indivíduos estão fazendo da própria vida. Talvez estejam “gastando” seu tempo lendo Kafka, ouvindo Bach, estudando Kant ou visitando museus.
Por opção ou por falta de tempo vivemos de maneira dura e rotineira. Para dar sentido à própria vida alguns necessitam afirmar que estão fazendo algo “superior” no mundo, como criticar quem assiste determinados canais de televisão. Dizem que o importante é assistir à TV Cultura! Interessante, pois se todos os que pregam a qualidade da TV Cultura assistissem o canal, ela chegaria aos dois dígitos do ibope!
Assistir televisão, tal como outras tantas atividades, faz parte de uma necessária condição que temos para superar nosso mal-estar no mundo. O genial filósofo Blaise Pascal (1623-1662), em sua obra que ficou conhecida como Pensamentos, afirmava: “Condição do homem: inconstância, tédio, inquietação”. Um homem sem atividades “sente então seu nada, seu abandono, sua insuficiência, seu vazio”. E, ainda, descrevia que “se a nossa condição fosse verdadeiramente feliz, não precisaríamos deixar de pensar para nos tornarmos felizes”.
A maneira que o homem encontra para superar sua condição miserável é o divertimento. Assim, jogos, guerras, estudo, trabalho, política e televisão fazem parte dos meios encontrados para “esquecer” de si mesmo. Talvez assistir TV seja uma das atividades menos nobres para fugir de si, mas quem pode julgar as pessoas que utilizam este meio?
Mais uma vez, a perspicácia de Pascal é surpreendente: “Não tendo conseguido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se, para serem felizes, de não pensar nisso tudo”. De acordo com o pensador francês, a alienação de si é um requisito fundamental para superar o dia-a-dia. Tira-lhe o divertimento e um homem se deparará com sua própria miséria: “Bastaria tirar-lhe todas essas ocupações; então se veriam a si mesmos, pensariam no que são, donde vêm e para onde vão. Nunca será demais, portanto, ocupá-los, nem jamais os distrairemos demasiado. E é por isso que, depois de carregá-los de negócios, se lhes sobra tempo para descanso, nós os acolhamos a empregá-lo em divertimento e no jogo, e a andarem sempre inteiramente ocupados”.
Se você é daqueles que pensa que o mundo seria melhor sem televisão, sinto-lhe informar que ao longo de toda história humana a mediocridade imperou e persistirá. A diferença é que antes éramos medíocres sem televisão, agora somos medíocres com televisão. E quando implicares com sua avó, que fica o dia inteiro vendo TV, lembre-se de Pascal.
*Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais