O povo brasileiro tem pouca tradição em cultuar os grandes nomes, de homens e mulheres, que dedicaram uma vida inteira ao bem comum. Raramente são reconhecidos, nos ambientes sociais, e mesmo escolares, vultos cuja obra ainda entre nós repercute. Com espírito de resgate histórico de um grande nome de Minas Gerais e do Brasil, apresentamos uma síntese biográfica de Cristiano Benedito Otoni.
De família modesta e pobre, natural da Vila do Príncipe, hoje Município do Serro, Cristiano Benedito Otoni era o terceiro dos onze filhos de Jorge Benedito Otoni e Rosália de Souza Maia, nascido em 21 de maio de 1811. Em 5 de janeiro de 1828 buscou limites além do que sugeriam as montanhas, mudando-se para o Rio de Janeiro, juntamente com o irmão Jorge Benedito (nome idêntico ao do pai), juntando-se aos mais velhos, Teófilo e Onório, para cursar a Academia da Marinha. Todos foram acolhidos pelo tio José Eloy, então Oficial da Secretaria da mesma academia. No segundo ano de estudos, em 1829, seu intelecto se entusiasmava por história, direito público, literatura e filosofia, estudando em livros emprestados. Graduou-se em guarda-marinha, em 1830, como primeiro aluno da turma, apesar de reconhecer não ter vocação para a profissão.
Buscando custear a própria vida, sem dependência paterna, tentou a cadeira de geometria na Academia da Marinha, formulando requerimento ao imperador, D. Pedro I. Seu pedido foi negado, pois os Otoni eram havidos como portadores de aspirações contrárias à coroa, segundo o Ministro da Marinha, Marquês de Paranaguá, que pessoalmente interferiu para que o imperador não acatasse o pleito.
À força dos fatos da vida, continuou Cristiano Otoni a carreira da Marinha, matriculando-se no curso de Engenharia da Academia Militar, graduando-se em 1836. No mesmo período, foi eleito Deputado Provincial do Rio de Janeiro (1834, aos 23 anos) e obteve a cátedra de Matemática, da Academia da Marinha, por concurso público (aos 24 anos). Casou-se, em 1837, com Bárbara Maia. Essa fase da vida foi profícua, produzindo diversos livros sobre aritmética, álgebra, geometria e trigonometria, que foram amplamente adotados pelas escolas no Brasil. Em 1846, publicou “Teoria das Máquinas a Vapor”. Na mesma época, foi Oficial de Gabinete do Ministro da Marinha. Em 1848, foi eleito Deputado-Geral por Minas Gerais.
Sua trajetória sofreu grande transformação em 1855, quando deixou a vida acadêmica para tornar-se dirigente de uma empresa ferroviária, atividade que começava a se instalar no país, na qual iria se notabilizar. Foi o primeiro presidente da Estrada de Ferro D. Pedro II. O imperador, mesmo cônscio do pensamento político de todos os Otoni, reconhecia em Cristiano as qualidades imprescindíveis a liderar um empreendimento que significava a opção modernizadora dos transportes e economia para as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Cercou-se de corpo profissional especializado, para as questões técnicas, e empenhou-se profundamente nas tarefas de administração, tal como pontificou na obra “O futuro das estradas de ferro no Brasil”, que publicou em 1859.
Sua administração exemplar viabilizou a transposição ferroviária da Serra do Mar, um desafio de engenharia para o qual não havia mão de obra especializada no país. Pessoalmente, comandou os trabalhos, indo a campo tantas vezes, apreciando estudos dos engenheiros contratados nos Estados Unidos. Arrostou forte resistência, no Gabinete, na Câmara, no Senado e na Imprensa, pois ninguém acreditava na capacidade técnica de superação do desafio de engenharia representado pela Serra do Mar. Apoiado pelo imperador, realizou tarefa que nenhum outro teria coragem cívica de assumir na mesma época. Por dez anos, administrou a companhia. Com múltiplos talentos, projetou o futuro ferroviário do país, fixou normas e procedimentos para o resultado econômico do empreendimento, venceu embates políticos de toda ordem, com ministros e parlamentares.
Sua atividade política, após as experiências parlamentares de 1834 (Deputado Provincial do Rio de Janeiro) e 1848 (Deputado-Geral pelo Partido Liberal da Província de Minas Gerais), estendeu-se em mandatos como Deputado-Geral pela província de Minas Gerais, Conselheiro de S. M. o Imperador D. Pedro II e Senador pelas províncias do Espírito Santo e Minas Gerais. Recusou convites para ser Ministro da Agricultura e da Marinha.
Faleceu em 17 de maio de 1896, a poucos dias de completar 85 anos, no exercício de mandato como Senador. É reconhecido como “Pai das Estradas de Ferro do Brasil”.
*Bruno Terra Dias é presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis).